Aquivos por Autor: admin

Às portas de Santo Antão – Um sábado em cheio!

Comecei pelo “Politeama”, uma casa centenária. Foi inaugurada em 1913 por iniciativa de Luís António Pereira, português de torna-viagem, diz-se que fez fortuna no Brasil e que, amante de Teatro e de Música, quis assim dotar a cidade com uma nova sala de espectáculos. Desde 1992 que é ali Filipe La Féria e a sua companhia oferecendo-nos todo um trabalho de grande qualidade, particularmente ao nível do musical, que bem pode rivalizar com o que de melhor se faz na estranja. Fui para ver “Eu saio na próxima. E você?”, com João Baião e Marina Mota. Até aqui nada de extraordinário, gosto de Teatro e de bons actores, já tinha visto a peça onde ambos se desunham com assombrosa energia e talento durante duas horas, desfiando as memórias de uma vida a dois e de um país que de oprimido passou a livre, sendo que esse bem maior nunca seja um dado adquirido, alerta temos de estar, ainda mais agora que um pouco por todo o lado os populistas, sejam da direita ou da esquerda, ganham terreno à custa do desalento e da desesperança de quem vê goradas expectativas e promessas por parte de quem através do conluio, corrupção e outras indignidades (se) governa. Só que desta fui ao teatro com mais de uma trintena de senhoras, das que habitualmente se sentam nas bancadas do programa da manhã. Foi uma tarde de risos, gargalhadas e emoções, que felizmente registámos para, uma manhã destas, partilharmos no programa.


Dali fui jantar, não sem antes ter ficado à porta do teatro, por uma boa meia hora, rodeado dos mimos com que habitualmente sou tratado: beijos, abraços e as inevitáveis “selfies”. Fico sempre sem graça quando dizem gostar de mim, porém, cada pessoa que o diz, ou demonstra, não imagina a alegria que me dá por perceber que o homem em que me vou fazendo está no caminho certo, o da credibilidade. Optei pelo “Gambrinus”, um clássico da restauração lisboeta. Desta vez amesendei-me, que habitualmente fico-me pela barra, para uma refeição mais ligeira, e onde somos tratados com o mesmo desvelo e simpatia. Tinha tempo para jantar nas calmas, que o concerto da Raquel só começaria duas horas depois. Recuamos oitenta anos que a bem dizer tudo se mantém na mesma, até a ementa mostra que há poucas alterações culinárias, joga-se pelo seguro de uma confecção cuidada, a partir do melhor produto, servido com eficaz e elegante competência. Não é de estranhar que estivesse cheio e já agora, em jeito de mera curiosidade, diga-se que atrás de mim jantava, discretamente, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres.

Que noitada! – é mesmo, para quem diariamente se “deita com as galinhas”, mas não podia perder a oportunidade de assistir a um concerto da Raquel Tavares no Coliseu, “a sala da sua vida”, é a própria a dizê-lo.
Gosto muito da Raquel, da sua voz poderosa e do seu enorme talento, se bem que o nosso relacionamento não tenha começado da melhor maneira. Achava-a pespineta e irritava-me a intransigência com que defendia os seus pontos de vista, sobretudo no respeitante ao fado, ao acreditar que o seu caminho era o único certo para defender esse lamento de alma que é tão nosso, nunca se pondo em causa. Curioso é constatar a minha então implicância, quando também eu levei anos a perceber que não há verdades únicas e que o maior dos desafios é esse de tudo questionarmos, a começar por nós próprios. Já conversámos sobre tudo isto e rimos da nossa implacabilidade infantil (mais grave em mim, dado que já na altura tinha idade para ter juízo!). Hoje a Raquel não recusa outras estéticas musicais, sem nunca atraiçoar a sua alma verdadeiramente fadista, e isso viu-se ontem no extraordinário espectáculo que nos ofereceu, acompanhada pelo seus músicos de sempre e pela Sinfonietta de Lisboa. Ali ficou no palco, em cada tema, inteira, feita de alma, nervo, coração. Por isso o Coliseu, completamente esgotado, se rendeu logo ao primeiro fado, numa emocionada declaração: “Como é grande o nosso amor por você!”.

O assunto do momento nas redes sociais!

Hoje no esgoto das redes sociais não se fala de outra coisa: ai que a Judite de Sousa fez uma birra e supostamente terá destratado um colega, neste caso um repórter de imagem. Isto no Brasil, no decorrer da recente cobertura das eleições presidenciais. Que vemos então nas imagens que abusivamente foram gravadas à revelia dos protagonistas desta história? Uma Judite algo enervada, por não se sentir confortável no local onde se encontrava antes de fazer um directo para Lisboa. Percebemos pelas imagens que ela se queixa de não conseguir abrir os olhos, dada a luminosidade, que reclama junto do colega uma solução que lhe resolvesse o incómodo lembrando-o de que é ela a mandar na equipa e não outrém do lado de cá do Atlântico. Só mesmo quem não perceba népia de televisão é que estranha o facto da jornalista ter “puxado dos galões” a minutos de entrar em directo e numa evidente situação de stress, perante a eminência de não ver resolvido o problema que poderia pôr em causa a qualidade profissional do seu trabalho. Eu próprio já fiz parte de três equipas de profissionais destacadas para a cobertura de outros tantos casamentos reais, sempre lideradas pela Judite, e não houve qualquer problema sabendo perfeitamente quem ali mandava. Entenda-se mandar como assumir a responsabilidade por todos. Repito: aquilo que as imagens mostram é uma banalíssima altercação (bem pouco violenta, por sinal) entre colegas de trabalho numa situação de stress. Quantos de nós já não vivemos situações semelhantes logo sanadas com um pedido de desculpas? Abjecto aqui só mesmo quem gravou tais imagens e as pôs a circular (talvez até as tenha vendido). Na senda inquisitorial que as redes sociais fomentam há quem não queira ver o óbvio! Estranho mundo este!

Ali me me acho!

A Sá da Costa tem mais de cem anos. Começou por ser no Largo António de Sousa Macedo, ao Poço dos Negros, e no Chiado, onde se mantém, está desde 1943. Em 2013, soçobrada ao peso das dívidas, esteve encerrada para liquidação, e não fosse o alfarrabista Pedro Castro Silva, teria tido a mesma sorte da Livraria Portugal, por exemplo, e hoje ali estaria outro negócio qualquer que nada tivesse a ver com todo um passado glorioso de livros, escritores, poetas e tertúlias. A Sá da Costa quase de frente para outra vetusta livraria, a Bertrand (sendo esta a mais antiga do Mundo, em actividade), faz parte das melhores memórias do coração palpitante da cidade. Castro Silva comprou o acervo da Sá Costa e trouxe os muitos milhares de alfarrábios que tinha em armazém. Dá gosto ver todas aquelas salas completamente vestidas de livros, eles encavalitam-se em prateleiras, mesas e bancadas, só aparentemente sem organização, que basta perguntar por um título, por um autor ou por um tema do nosso interesse e há sempre alguém que nos guia ao sítio onde encontraremos o que queremos. Quando ali vou não tenho hora de saída, talvez sejam antes os euros que se vão somando à conta que ditam um “chega” por ora. Sim, na internet encontramos tudo ou quase, assim saibamos pesquisar, mas não é busca que me empolgue como aquela. Ataranto-me com a oferta e ganho vontade de comprar tudo e mais alguma coisa, tantos os assuntos e personalidades que me interessam, por curiosidade própria ou por julgar virem a ser úteis à minha função de perguntador. Mais do que “googlar” quero é surpreender-me nas lombadas, nas letras impressas a ouro, nas gravuras, fotos ou ilustrações e no que os livros me acrescentam. E gosto do seu viciante cheiro a velho e usado. Desta vez comprei um livro praticamente com tantos anos quanto os meus, é de cinquenta e cinco, é de Francisco Câncio, sobre o Paço da Ajuda, com capa de pele, outro sobre a história do edifício da Assembleia da República desde que foi Palácio das Cortes até à sua função actual, enquanto Casa da Democracia. Ando apaixonado pelo Palácio Nacional de Queluz e independentemente do que de variado se vai publicando sobre os monumentos de Sintra e seus protagonistas não resisti a mais uma obra sobre tão imponente casa de reis e infantes. E fiquei-me por um opúsculo, já a denunciar muito manuseio, amortalhado que estava em papel vegetal, sobre António Ribeiro, contemporâneo de Camões, que lhe gaba a engenhosidade no seu “Auto de El-Rei Seleuco”. Quero saber mais deste que é conhecido como poeta Chiado, por ali ter vivido muitos anos, diz que na rua Garret, a mesma da Sá e Costa. A sua estátua, a dois passos, no largo que leva o seu nome ou de um outro “Chiado”, este taberneiro mas também de quinhentos, havendo autores que dizem que o topónimo é bem mais antigo, parece querer meter conversa talvez sobre as compras que acabei de fazer ou, mais interessante, sobre a celeuma que o local da sua imortalidade em bronze provocou em Aquilino e Raul Brandão. Que sim, era boémio, jocoso e tinha muito talento, mas não tanto que merecesse a vizinhança de Eça e de Camões.

Livraria Sá da Costa
Rua Garret, 100
Lisboa

Desejo(s)

Era sabido que se a semana corresse sem safadezas cada um ganharia a sua tablete de chocolate, uma tira tentadora vestida de prata ourada listada a azul ou a vermelho. A coisa nem sempre corria bem, eramos dois rapazelhos com ginete, talvez eu fosse mais atinado entre leituras e o” faz de conta” que era apresentador ou professor, as brincadeiras mais frequentes sempre com parceiros ou plateias imaginárias, mas em fervendo castigo nenhum ficava a rir e do tão esperado chocolate, népia.

Havia lápis grandes de chocolate. Guarda-chuvas de chocolate. Cigarros, perversamente, de chocolate, até o Pai Natal dava para nos lambuzarmos. Havia coelhinhos de chocolate, os tais que iam com o velho das barbas ao circo. Chocolate para comer com pão. Chocolate e mais chocolate. Até o pinheiro da festa podia ser vestido só com chocolates. Foi o Quim Barreiros que um dia me contou que era assim na sua casa. Garoto safado, conseguia dar conta deles antes da noite natalina deixando no pinheiro as pratas ocas mas direitinhas. Levou poucas levou, quando a mãe deu pela marosca. Com o Belleville se fazia mousse e bolos para a festa, nenhum outro o batia. Mas do que eu gostava, já que estou numa de recordar, era de “ir aos furinhos”. Ainda está para me sair a bola dourada, ou seja, a tablete mais desejada, nem a prateada alguma vez me tocou, pretas, essas sim mais que muitas, também pudera era o mais corriqueiro dos prémios. Lembrei-me agora que nisto talvez tenha saído ao meu pai, era doido por chocolates e na sua casa, onde morava o desafogo, havia sempre uma gaveta cheia deles, era só escolher. Tantos anos depois, talvez os chocolates já não sejam o que eram, digo eu, que acho que os guarda-chuvas estão minorcas e não é por eu ter crescido, mas o nome Regina continua a fazer-me salivar de desejo. E acabou-se o escrito, que agora apetece-me algo e acho que não tenho cá por casa… Ah! Já sei… vai um Magnum… de CHOCOLATE!

O mais doce dos museus!

Ficava numa perpendicular à Rua do Açúcar, é que só poderia ser naquele local, assim pensou a Carla Santos, que foi quem o idealizou a partir das memórias sensoriais da sua infância. Quis o acaso que ali houvesse um armazém desactivado e à espera de ser demolido mas que nos entretantos das burocracias poderia ser arrendado e utilizado. E foi assim que por três meses e meio ali viveu o mais doce dos museus. Já fechou ao público, salvo para eventos muito especiais e mesmo para estes tem os dias contados, mas abriu ontem para mim, feito criançola à solta entre baloiços, unicórnios, carrosséis, chupas, gomas, donuts, tudo cenografado como se fosse a sério, mas não sem que tivesse onde me lambuzar. As cores continuam vibrantes e os cheiros doces e quentes da infância ainda nos abraçam, nem parece que por ali passaram muitos milhares de miúdos e graúdos. Imagino a alegria de famílias inteiras na partilha de emoções e lembranças, que a felicidade não tem idade, assim queiramos a festa da Vida. A ela me atiro à dentada, saboreando depois pedacinho a pedacinho.

Em breve será o Porto a receber o Sweet Art Museum, e deste primeiro apenas a sala da piscina de marshmallows se manterá. O mais será surpresa para doideira de todos os sentidos!

Nham! Nham!

Se quiser ver a reportagem, clique AQUI.

Boa noite, princesa!

Não há fome que não dê em fartura, levei décadas para voltar ao Palácio Nacional de Queluz e agora no espaço de mês e meio já lá fui três vezes, entre idas de lazer e trabalho, e no caso até tudo se mistura. Domingo fui a um encontro de saberes e sabores, no âmbito de uma iniciativa que decorreu ao longo de vários fins de semana no concelho de Sintra e procurou dignificar e valorizar o património alimentar da região, entre tertúlias e degustações, realizadas em alguns dos mais emblemáticos exemplares do seu património edificado, chamando a esses eventos as gentes sintrenses com as suas memórias, ou seja um outro património inestimável e sem o qual nada faz sentido, o social.

Assim, fiz parte de um júri, constituído pela jornalista Alexandra Prado Coelho (sou habitual ledor do que escreve no “Público”), Filipa Gomes e Fortunato da Câmara (grande sabedor dos prazeres da mesa. Sigo os seus escritos com regularidade no “Expresso”), que apreciou as receitas finalistas de um concurso promovido no âmbito desta iniciativa, “Somos o que comemos”, e apesar de um domingo cinzento e chuvoso, que não permitiu que tivéssemos usufruído em pleno dos jardins do Palácio, as horas que ali passei foram muito agradáveis pelo que ouvi dos meus colegas jurados, pelo que provei, receitas a concurso e depois no festim (agrada-me tão palaciana palavra) preparado com talento por jovens alunos da Escola Gustave Eiffel, e sobretudo, como sempre, pelas muitas provas de carinho de que fui alvo. Imaginem as fotos que tirei ao todo, a partir da pequena selecção que aqui partilho, os abraços e beijos recebidos e as muitas palavras de apreço por um trabalho que cumpro com paixão mas que muitas vezes não sei se chega como desejo a quem o vê. É nestes momentos de encontro e partilha, melhor ainda se à mesa, que percebo como o meu jeito de ser e de me dar pode fazer sentido na vida de muitas pessoas. Uma que fosse e já teria valido a pena.

Imaginem o meu contentamento quando uma mãe me diz, ainda que, ao ouvido: “obrigado pelo que, sem saber, fez pelo meu filho e por mim, que agora o entendo” ou a minha surpresa quando uma jovem de, apenas 14 anos, me abraça, pede para tirar uma foto comigo e para eu assinar três folhas impressas com a minha fronha. Apenas 14 anos! Porque gostaria de mim, quando tem é idade para apreciar antes um Justin Bieber?
Contaram-me depois que houve quem lhe tivesse perguntado isso mesmo e que a resposta não se fez rogada: “gosto do Goucha porque tem carisma e humildade!”. Chama-se Beatriz, pediu ao pai que a levasse ao Palácio para me ver e a tudo assistir, como se fora crescida (será que não é?!), sentou-se à mesa, disse-me gostar de português, já não tanto de matemática, e em chegando a hora combinada com o pai para a ir buscar despediu-se com um abraço daqueles onde cabemos inteiros. Ao vê-la ir, no seu andar de tule, imaginei-a princesa naquele jardim de buchos, aromas e palavras. Boa noite Beatriz!

Lisboa das grandezas!

Quando me fico por Lisboa, ao fim-de-semana, procuro (re)descobrir a minha cidade naquilo que ela tem de melhor e mais me apaixona. Desta vez fui à Igreja de São Vicente (de Fora, porque construída para lá das muralhas que delimitavam o burgo), um dos seus mais impressionantes monumentos. Do templo medieval mandado construir por Afonso Henriques, nosso primeiro rei e raiz, em agradecimento pela conquista cristã, pouco ou nada sobreviveu (talvez apenas as lápides que aludem à sepultura da mãe de Santo António e à do cavaleiro Henrique Alemão, que morreu no cerco de Lisboa, ambas na capela do Santo (ali envergando o hábito dos Agostinhos), que o que hoje admiramos é o resultado do mecenato arquitectónico de Filipe I.

Encantei-me com a monumentalidade e alvura da sua fachada se bem que de linhas sóbrias, diria mesmo depuradas e recolhi-me no silêncio da sua nave decorada com mármores triunfantes por tão minuciosos embutidos, para ali admirar o altar barroco encomendado por D. João V, colocado sob um notável baldaquino folheado com o ouro que jorrava dos Brasis. Quisera-o, sua magnânima majestade, tão grandioso quanto o da Basílica de São Pedro.

Subi às torres da Igreja para encher os olhos com o típico casario, com o azul do Tejo e com tudo o mais que de ali se alcança. O Panteão onde repousam as nossas maiores glórias é logo em frente, nos campos de Santa Clara, mas desta quis antes ficar pelo dos Braganças, uma vez na casa conventual.

No Panteão Real, criado por D. Fernando II, onde antes era o refeitório do antigo Mosteiro, estão os túmulos dos monarcas (encimados com coroa) e dos príncipes reais da última dinastia. Excepção feita ao de D.Maria I, que encontrará na Basílica da Estrela, e aos restos mortais de Pedro IV, I do Brasil, que, como o seu simbólico gavetão indica a letras ouradas, se encontram no monumento do Ipiranga em São Paulo, tendo ficado o seu coração, por vontade própria, na Igreja da Lapa, do Porto, cidade que sempre lhe foi leal, acrescento eu. Ganham ali destaque maior o túmulo de D.João IV, o primeiro dos Bragança, e, ao centro da sala, os de D.Manuel II, último dos nossos reis, de D. Amélia, sua mãe, de D. Carlos I, seu pai e de D.Luis Filipe, seu irmão. Junto a estes dois últimos, da autoria de Raul Lino, impressiona, pela sua imponência dramática, a figura escultórica de uma mulher (a Pátria) chorando os seus filhos mártires (ambos assassinados no regicídio de 1 de Fevereiro de 1908). Dizem-me que há turistas que se assustam com a imagem.

No mesmo claustro, outro Panteão se abre à nossa curiosidade e respeito, o dos Patriarcas de Lisboa. Onde antes era a sala do Capítulo dos cónegos de Santo Agostinho estão agora sepultados os cardeais-patriarcas de Lisboa, não todos mas desde D. Carlos da Cunha e Menezes, falecido em 1825, até a D.José Policarpo. Da minha memória de adolescente lembro a figura do Cardeal Gonçalves Cerejeira, sobre quem ando a ler um livro da autoria da historiadora Irene Flunser Pimentel que aconselho, e a de D.António Ribeiro, na altura com um programa em directo na RTP, onde cativava pela sua distinção e oratória, por vezes desassombrada. Foi um escândalo para a época ouvi-lo definir as beatas como “ratas de sacristia”, mas não lhe terá sido por isso negado o Paraíso, que a existir o Criador saberá este por certo de quantos passam a vida a papar hóstias para depois lhes sair da boca só azedume e pus.

Lamento é não ter visto um português que fosse ontem no Mosteiro e na Igreja, apenas turistas, felizmente interessados e maravilhados no que a cidade tem para oferecer. Dizem-me que há poucos portugueses no Museu, já não será tanto assim na Igreja, sobretudo em dias de Eucaristia e nos sábados segundos de cada mês, que é quando há concertos gratuitos. Também há visitas de escolas e ainda bem, que a haver uma geração perdida para as causas da Arte e da sensibilidade então que se invista nos jovens e na sua salvação. Não tenho dúvidas: por apenas gostar do que é Belo é que gosto do homem que sou.

Um lugar novo sendo, porém, muito velho!

Novo, porque reabilitado a partir de uma memória longínqua, daí o ser muito velho. Parece confuso mas não é, eu explico: falo-lhe concretamente do Jardim Botânico do Palácio Nacional de Queluz, um espaço recuperado e reabilitado recentemente (e já premiado a nível europeu) no local onde antes o havia sido, isto ao tempo de D. Maria I e de seu marido Pedro III. Um espaço de pequena escala se tomarmos como exemplo outros jardins botânicos, como o de Coimbra ou o da Ajuda, usado exclusivamente para recreio e entretenimento da corte. Degradado por fenómenos naturais foi acabando por perder a sua função original tendo sido um roseiral nos idos de quarenta e posteriormente usado como picadeiro para alguns espectáculos da Alta Escola Portuguesa de Arte Equestre.

O notável trabalho de reconstituição cumpriu escrupulosamente o traçado original juntando peças de estatuária que se encontravam espalhadas pelos jardins do Palácio, replicando as espécies botânicas ali existentes à época, segundo a listagem fornecida à rainha piedosa pelo seu próprio médico, o famoso Morais Soares, e reconstruindo as quatro estufas que na altura também existiam. Tal como então, segundo registos históricos encontrados, nelas continua-se a produzir ananás, esse fruto que de tão raro e exótico só podia mesmo ir à mesa dos reis.

Da próxima que for ao Palácio Queluz não esqueça que há mais para ver nos seus jardins.

Adivinha quem vem jantar!

Ontem à noite éramos seis à mesa e por ter estado um dia que mais parecia de Verão, com a temperatura do ar a roçar os trinta, pensei num jantar ao ar livre, acreditando que a noite se mantivesse agradável, a exemplo do que tem acontecido ao longo de toda a última semana. O Alentejo é assim!


Na mesa grande do alpendre usei desta vez dois serviços da Vista Alegre (o “Blue Ming”, criado por um designer holandês, Marcel Wanders, e o “Gold Exotic”) diferentes mas ligando bem entre si pelos motivos florais e pela cor dominante, o azul. Mantive a mesma cor nos copos de água da Marinha Grande. A crueza da madeira irregular da mesa aligeira a formalidade do serviço de pratos, sem contudo lhe retirar elegância. A transparência do vidro usado no copos de vinho, nas taças das flores silvestres (onde prolongo o amarelo que pontua o prato marcador e aventuro-me no vermelho sangue) e nas luminárias que espalhei pela mesa e alpendre, ajudaria a criar o ambiente que pretendia, sobriamente elegante, adequado para uma refeição entre amigos. Luxuoso mesmo só o imenso dossel de estrelas que nos haveria de cobrir. O Alentejo tem destes prodígios.

Bem me disseram que melhor mesmo era ir para dentro, isto depois de uma publicação no meu Instagram dando conta da lida na cozinha, diziam que o tempo iria piorar porque um tal de Leslie haveria de chegar ao continente com vento forte e muita chuva. E eu a leste, que o Alentejo tem feitiço, a ponto de esquecer de me ligar ao mundo. Realmente ao final da tarde começou a levantar-se vento e pus-me a matutar que deveria levar a sério a recomendação. Toca a levar tudo para a casa de jantar e a começar de novo, alterando dois pormenores ao conceito inicial. Primeiro a mesa, é redonda e merecia ser vestida, por outro lado queria manter a ideia de fazer uma decoração elegante mas não ostensiva. Por isso optei por continuar a brincar misturando padrões, indo agora mais longe ao escolher uma toalha também ela com motivos florais azuis, prolongando ainda o desafio num centro de mesa, o mais tradicional possível, em louça de Alcobaça, uma daquelas velharias que tinha como pirosa no tempo da Maria Cachucha e agora a graça que lhe acho, tanta que a comprei por “tuta e meia” numa loja de Lisboa a abarrotar de quinquilharias.


Servimos uma salada fria de pato com verduras, em molho de vinagreta, uns rolinhos de linguado recheados de espinafres, com feijão verde e para rematar uns folhados de maçã e caramelo com um toque de “creme fraiche”. E ainda fomos num branco que todos apreciamos, o “Terrenus”, um vinho produzido a partir de vinhas velhas da Serra de São Mamede, fresco e muito equilibrado. Sim, que cá no monte só se bebem vinhos da região. E se o Alentejo os tem, de grande qualidade!

A noite prolongar-se-ia à mesa da amizade, entre histórias de cavalos e fidalguia, terminando, a bem dizer, à luz dos candeeiros de petróleo, coisa avoengada dir-me-á, mas ainda bem que os tenho por saber já o que “a casa gasta”: é que em havendo borrasca é certo e sabido que a electricidade vai abaixo. Bem me disseram que o Leslie também vinha para o jantar!

Borregada!

Têm nascido de primeira barriga e logo aos pares, por isso a “maternidade” está cheia e ainda há ovelhas por parir. Ao todo já teremos uns quarenta borregos e contamos ainda com mais uma vintena. Entre grades estão assim protegidos de ataques inesperados de saca-rabos e outros indesejáveis, enquanto não medram e ganham defesas. Depois a Azeitona está ali também para os vigiar, que essa é a função de uma rafeira alentejana que se preze. Vê-los sugando as tetas da mãe ou tentando roubar leite noutras alheias, que há sempre um ou outro mais vivaz, é divertido e terno, por isso ali me fico sem noção do tempo olhando e fotografando como que para perpetuar estes momentos únicos para quem, como eu, sempre foi da cidade.

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Na lida!

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