Sou daqueles que cresceram a ver o “Museu do Cinema” na Televisão, apresentado pelo sapiente e efusivo António Lopes Ribeiro acompanhado ao piano por António Mello, este tímido a ponto de lhe ouvirmos apenas um sussurrado “boa noute”. Delirava com o Charlot, criação maior de Charles Chaplin, a ponto de querer saber tudo sobre quem vestia essa terna e “vagabunda” personagem, que mais parecia saída do universo de Dickens. Por isso cresci a querer acompanhar tudo quanto ele fazia enquanto actor, escritor, realizador e, fiquei agora a saber, também compositor, já que são da sua autoria algumas das bandas dos seus filmes sonoros.
Os últimos vinte e cinco anos da sua vida foram vividos em Corsier-sur-Vevey, na Suíça, anulado que foi o seu visto de permanência nos Estados Unidos da América, seu país de adopção, na sequência do macartismo e da tenebrosa “caça às bruxas”. A sua casa em estilo colonial comprou-a em 1953, vindo Chaplin a seguir a uma variada lista de outros proprietários endinheirados que ali haviam habitado: um mestre relojoeiro, um industrial e dramaturgo e um diplomata americano.
Desde 2016 podemos entrar neste que foi o seu ultimo lar (de Oona O’Neill, a sua última mulher e dos oito filhos que com ela teve) agora transformado em museu. Imagine-se a balbúrdia ou alegria daquela casa se à numerosa família acrescentarmos o pessoal de serviço (um mordomo, um motorista, duas “babysitters”, algumas empregadas de quarto, uma cozinheira, e sua respectiva ajudante, e uma equipa de jardineiros), mais ainda os ilustres visitantes que estavam sempre a chegar, as maiores celebridades do mundo das artes, das letras e da sociedade internacional. Chaplin gostava de receber mas Oona impacientava-se por vezes com a demora das estadas, lembrando o que sua mãe dizia: “as visitas querem-se como os bolos, ganham ranço quando com muitos dias!”.
A mesa continua elegantemente posta para o convívio, como se a família se fosse sentar para a refeição do dia. Eram permitidos todos os risos e muita discussão. Ainda há quem se recorde das suas célebres batatas assadas em papelotes, depois abertas, acariciadas com manteiga e coroadas com caviar e alguns borrifos de sumo de limão. O caviar chegava-lhe com regularidade ido da embaixada da URSS, como que um pagamento em género, pela cedência dos direitos de parte da sua autobiografia publicada num jornal russo. A magia do local faz-nos sentir visita da casa, junto a Chaplin e a Oona, presentes em muitos dos cómodos, não só através do mobiliário original, dos livros, das cartas, das partituras …, de inúmeros objectos pessoais, que ali ficaram tal qual como quando tinham serventia, como pelas suas próprias figuras em cera recriando cenas do quotidiano. Idêntico empolgamento sente-se caminhando pelos jardins com vista para as montanhas ou nos estúdios ali montados ao lado, onde em cenários replicados podemos “protagonizar” cenas icónicas dos seus filmes mudos.
À entrada, junto à escada que nos leva à zona mais privada da casa, um enorme pinheiro luzente lembra-nos a quadra de festa. Chaplin odiava o Natal, foi a própria filha Geraldine que mo disse quando com ela conversei há 25 anos, também por esta altura, no programa “Momentos de Glória”. Em chegando a hora, quando todos já eram grande algazarra, o génio afastava-se, recolhendo-se no escritório ou no quarto, sempre com Othelo, o seu gato preto, por perto. A família porém não deixava que ele estragasse a festa … até àquela noite de 1977. Ironia das ironias, Chaplin morreria na noite de Natal.
Para mim, que adoro o Natal e toda a sua magia, se bem que haja quem pense o contrário (vá-se lá a saber porquê!), este foi o melhor presente de aniversário que poderia ter.