Não conheci a mãe do meu pai já que para todos os efeitos a avó era a Edla, a segunda mulher do meu avô Heliodoro. Parece fadário de família, tanto de um lado como do outro, isto de saber todos os casais desquitados.
Era, realmente, a Edla quem nos recebia sempre que vínhamos a Lisboa, de sorriso rasgado e café feito na cafeteira de balão. Acasa cheirava sempre a café acabado de tirar e a bolos macios saídos do forno, daqueles que vão bem a ensopar qualquer bebida quente. Por vezes, não muitas, eu e o meu irmão vínhamos para ficar uns dias com o nosso pai e era ali, na casa de Entrecampos, que passávamos a maior parte do tempo, chegando mesmo a pernoitar no quarto das visitas. Nunca mais o esqueci, naquela altura achava-o mais para menina, com a sua mobília creme toda pintada de florzinhas furta-cores. Dizia-nos a Edla que eram assim as mobílias de mais além, em terras de depois do Tejo, e eu divertia-me por dormir naquele jardim de pinho e fantasia, com o sono a correr solto e tranquilo.
Quando, vai para quatro anos, entrei pela primeira vez na casa (monte) da herdade que haveria de comprar no Alentejo, degradada e quase tragada pelo mato, deparei-me com uma meia dúzia de móveis que valia a pena manter por ajudarem a contar um pouco da história daquele local e das artes da região.
Num dos quartos, o primeiro e único do monte original, jaziam duas camas de cor creme, pintalgadas de flores, não tão feéricas quanto as da avó Edla mas ainda assim a remeterem-me para as memórias de uma infância longínqua prenhe de sonhos e desejos. Fazia todo o sentido querê-las limpas recuperadas e feitas, mesmo que ninguém se deite nelas, assim sempre que ali entro pela manhã, para abrir a janela que deita para o campo, parece que sinto o cheiro do café, das “areias” e dos “lagartinhos” da Edla e o aconchego do seu abraço branco e sardento.
Por momentos é como se regressasse para mim, para o meu próprio começo.
Belo texto!
Uma descrição incrível, transporta-nos para os locais como se lá tivéssemos estado.
O seu Blog merece ser transcrito em livro. Ia ser um sucesso.
Um abraço ♥️♥️️
Texto com alma, repleto de sensibilidade. Parabéns por ter tamanha vontade de partilhar as suas “coisas”.
Quero enviar-lhe um gde abraço e pedir que transmita à querida Maria que tenha a maior força do mundo para vencer as tão “enormes invejas”
Como sempre adorei ler a sua historia de infância relacionada com essas camas que eu ainda gosto muito. Sou sua admiradora desde sempre e tenho aprendido muito consigo. Um grande abraco.
Fui vizinha e amiga de infância do Goucha.
Lembro-me de ele se ausentar de montarroio pelo motivo de ter ido a Lisboa para estar com o pai e família
Obrigada Manel Luís, pelo texto encantador que nos leva ao passado e aos quartos dos nossos avós. Parabéns pela sua maneira tão afectuosa de transmitir o que lhe toca…Ser diferente é isto, pegar num quarto de avós…e transmitir com todo o encanto, os cheiros e encantos.
Tirando a nostalgia da infância.
PARABÉNS !!! restaurar um monte em 4 anos e fazer dele algo maravilhoso é obra.
Abraço ! (?)
Por isso gosto tanto de o ler querido Manel. Tenho trinta e três anos e há 16 que o acompanho com todo o gosto. Este texto particularmente pois sou pessoa de afetos, memórias e cheiros. Também eu guardo recordações de uns avós que partiram.
Maravilha.
Adorei essas memórias, porque sempre gostei muito destas mobílias alentejanas. Num passeio de fim de semana à zona de Portalegre, quando estava grávida da minha filha mais velha, hoje com 46 primaveras comprei uma cadeira pequena, encarnada com as flores características. Esteve sempre no quarto dela e quando casou levou-a com ela. Ainda hoje existe e está impecável. Um abraço