Eles encavalitam-se uns nos outros e até fazem segundas filas onde apenas uma deveria estar, para mais facilmente encontrar o que quero, entre o caos de uma biblioteca ainda por organizar. Os livros amontoam-se, entre ficção, poesia, viagens e gastronomia e estes nem são de apoio ao meu trabalho, que para isso tenho outro tanto no escritório, e esses sim, mais ou menos, ordenados. Muitos terei lido, outros estarão à espera e ainda há aqueles que sei que não irei ler, mas que podem ter préstimo para uma consulta ou tira-teimas.
Este fim de semana, tive vagar para procurar um livro que havia comprado em Auschwitz e lido na altura, entre o horror e a incredulidade, e de que vou necessitar, em breve, para uma reportagem que estou a preparar para o “Você na TV”. Foi então, no meio da desorganização, que encontrei este caderno de apontamentos, que nada tem a ver com a empreita mas que me trouxe à memória um grato trabalho televisivo que muito prazer profissional me deu: a cobertura em directo do casamento de William e Kate, em Londres.
Porque tenho quase a certeza que gosta de conhecer os bastidores de um acontecimento televisivo como aquele que mobilizou atenções em todo o mundo e já que em 2011 ainda não tinha este blogue, onde pudesse partilhar impressões e emoções, aqui fica, então, uma resenha do quanto me recordo desses dias de euforia popular vividos na capital britânica.
O convite para enfileirar a equipa de reportagem da TVI, dirigida pela Judite de Sousa, e da qual faziam parte o Júlio Magalhães, a Felipa Garnel, enquanto directora da revista Lux, a Cristina Reyna e a Raquel Matos Cruz, chegou um mês antes do casamento real. Logo percebi que não podia deixar os meus créditos por mãos alheias, dada a exigência do acontecimento e a excelência da equipa onde me iria integrar. Mais a mais não tardaram as habituais estranhezas, do género: “porque é que vai ele, se eu conheço tudo que é família real, e até já fiz o mesmo no casamento de Felipe e Letícia, de Espanha?”. Não, não foi a Cristina, que entre mim e ela nunca houve “esse morder pelas costas”!
Atirei-me ao trabalho como gato a bofe e, independentemente do dossier de imprensa, organizado pela BBC , que atempadamente iria chegar, procurei através da internet comprar os livros certos, em francês por ser língua que leio com desenvoltura, para ficar na posse de todo o tipo de informações sobre a família real, que me pareciam úteis para alimentar uma emissão de televisão em directo, que é como quem diz sem rede, de muitas horas e com uma especificidade particular.
Foram muitos dias de um trabalho prazenteiro, que me pôs por dentro da história da família real inglesa e dos meandros daquela que é uma verdadeira firma com muitos interesses e intrigas, mas também poder e esplendor.
O hábito de escrever tudo, o que pretendo assimilar e utilizar, vem dos meus tempos de estudante, por isso esta mania dos blocos onde tudo, quanto quanto me desperta interesse, é anotado. Neste caso, para além de todas as informações que poderia vir a usar na emissão, o caderno de apontamentos ser-me-ia muito útil na identificação, em segundos, de alguns dos convidados, vindos dos 53 países da Commonwealth, entre outros, que, por não serem tão mediáticos, poderiam trazer-me alguma dificuldade em descortiná-los. Para tal colei no bloco a foto de cada um deles e alguns dados identificativos para que, sem hesitações ou enganos, eu pudesse responder sempre que solicitado a fazê-lo. Foram muitas, muitas horas de pesquisa, estudo e empinanço. Por um lado não costumo “brincar às televisões”, por isso lido tão mal com a desfaçatez da ignorância que alguns exibem, por outro fazer parte de uma equipa de jornalistas, como aquela, só aumentava o grau de exigência com que diariamente entendo o meu ofício.
Quando, dois dias antes do casamento, embarcámos para Londres, ia tranquilo e consciente de que dificilmente as coisas me poderiam correr mal. Logo me inteirei da notável capacidade de trabalho e de liderança da Judite, que, mal chegada ao hotel, imediatamente se pôs a “distribuir jogo”entre reportagens e contactos a fazer, para servir os vários espaços informativos da TVI. Cada um de nós sabia o que teria pela frente, no dia seguinte. Eu teria, a meu meu cargo, pequenas reportagens para o “Você na TV” e para o “A Tarde é Sua” a partir de vários pontos da cidade londrina. Fi-lo junto à Abadia de Westminster, onde no dia seguinte decorreria o casamento, e onde se situaria o meu posto de reportagem e do Júlio, no Mall, por onde passaria o cortejo real e onde Cristina Reyna acompanharia a emissão, e junto ao Palácio de Buckingham, onde ficaria o posto de reportagem da Judite e da Felipa, e assim dei conta do frenesim e da euforia que se vivia nas ruas, com milhares de pessoas já acampadas para não perderem pitada.
Cada um, por si, realizou nesse dia as suas tarefas sabendo, contudo, que a “prova de fogo” estaria reservada para o dia seguinte. Nessa noite jantei no quarto ao mesmo tempo que revi toda a matéria pesquisada e estudada. Uma verdadeira sabatina. Pelas cinco da madrugada já todos éramos na maquilhagem, improvisada na casa de banho de um dos quartos do hotel. E qual não é o meu espanto ao ver irromper a Judite, irrepreensivelmente vestida e maquilhada por si própria, de microfone em punho, já a fazer a reportagem daqueles preparativos para enviar de imediato para Lisboa, para ser inserida no “Diário da Manhã”. “É disto que eu gosto! Desta adrenalina e de estar no terreno”- confidenciou-me, eu ainda meio atarantado por ter dormido tão pouco. Ainda não eram sete horas e já a equipa estava na rua, preparada para se separar pelos diferentes postos de reportagem. Não foi por acaso que me vesti de fato azul com camisa branca e gravata vermelha, é que são essas as cores da bandeira inglesa. Estávamos prestes a viver uma longa emissão, irrepetível, em directo. Todos nos havíamos preparado para tal, cada um a seu jeito e de acordo com o seu perfil profissional. Cabia-me a mim e à Felipa Garnel o trabalho mais feérico, ligado a um casamento desta dimensão, e à Judite e ao Júlio o ponto de vista jornalístico, em todas as suas vertentes. Também a SIC e a RTP tinham no terreno as suas equipas com os melhores profissionais: Clara de Sousa, Júlia Pinheiro, João Adelino Faria… Foram seis horas de um trabalho coeso, seguro, intenso e apaixonante. Passava das 15 horas quando esgotados, com a certeza do dever cumprido, nos reencontrámos para almoçar. Já a Judite voltava a distribuir “jogo” entre a Cristina Reyna e a Raquel Matos Cruz, que agora havia que fazer outras reportagens na cidade e junto ao Palácio, com o rescaldo de tantas emoções vividas na rua e vá lá safei-me do directo das oito, para o Jornal, porque tinha bilhetes para o musical “Wicked” (comprados um mês antes e não sem ter perguntado à Judite se o poderia fazer, libertado que estaria, a essa hora, de tarefas televisivas).
No dia seguinte as audiências não deixavam margem para dúvidas. Havíamos “arrasado” a concorrência, não que isso fosse necessário para percebermos que o nosso trabalho em equipa tinha funcionado. Por mim falo, orgulho-me de ter feito parte desta equipa e de ter vivido esta experiência. E é com alguma imodéstia que não consigo castigar, que digo que apesar de não ser “íntimo” das famílias reais, dei perfeita conta do recado. Com trabalho tudo se consegue. A tal ponto, que um mês depois éramos os mesmos a fazer a cobertura do casamento de Alberto e Charlene, no Mónaco. E sobre este fica prometida nova prosa!
Vejam só que no que deu andar à cata no meio da balbúrdia livresca cá de casa, num fim de semana chuvoso!
Boa Noite, nao tenho por habito registar comentarios, mas como simpatizo com o Goucha, tenho de dizer-lhe, que, como a imagem que recebemos e de alguem com um “enorme a vontade” tinha a ideia que nao precisava de trabalhar tanto,de ter necessidade de tanta preparacao e que sai tudo muito natural, por ultimo, muitas pessoas de Familia Real tambem devem ter mordido o labio inferior por nao terem esse estilo, essa “Pinta” so de Luis Goucha
Sei que se prepara mto bem antes de qq trabalho mas lamento que tivesse estado junto de um colega que ressuscitou a Rainha mãe aquando da chegada de SAR a Rainha Isabel. Bjs e as minhas desculpas
E a nós,seus seguidores,a sorte de puder saber um pouco da história desse back office .Bendita chuva!!!Realmente,mesmo num trabalho dito cor-de-rosa(trabalhar na caixinha mágica)há o morder nas costas.É triste saber que há sempre cobras em qualquer emprego.Não precisava de frisar que não tinha sido a Cristina a dizer isso ,pois em nada tem a ver com ela.Muitos de nós temos a sorte de conhecer pouco, mas suficientemente bem a Cristina para saber que subiu sem pisar ninguém!em todo o caso,é uma pena que as pessoas não pensem só em trabalhar e tentarem ser as melhores como fez o meu querido amigo para se preparar para tal evento.Confesso-lhe que vi esse trabalho que fez e nunca pensei que tivesse tido tanto trabalho para se preparar.Pensava sim,que quem vos dirigia,neste caso a Judite,vos entregasse a papinha feita e que apenas liam o que passaria no tele ponto.Beijo grande e muito obrigada por esta partilha
Olá Berta
Já devia saber que eu nunca usei tele-ponto. Um beijo
Eu sei que sim,mas sendo um evento diferente,longe do estúdio e para não haver falhas,pensei mesmo que o trabalho era feito pela diretora e depois passado no tele-ponto.Por isso é o apresentador maiiiiiiiiiiiiiii lindo e profissional da televisão portuguesa 🙂
A isto chamo profissionalismo com alma!
Cumprimentos
Graça
Amei!!!!!! Qualquer dia podia contar todas essas historias dos bastidores em livro…;)
Bom resto de domingo para os dois.
Beijinhos
O sucesso só está com quem o busca e faz por merecer, ser competente é trabalhoso, porém, trabalhar com competência, não tem preço. O Manuel Luís é sem duvida alguma um dos profissionais televisivos, e não só, que mais competência tem neste pais. Parabéns por tudo que faz.