Um templo da alta-costura


Já tinha estado no seu atelier e disso, então, aqui dei conta, numa visita guiada de uma hora, sem direito a fotos, mas apenas isso, que o mais do número cinco da Avenida Marceau não era ainda o Museu que recentemente foi inaugurado e que hoje se abre à curiosidade de quem quer que seja que se interesse pela moda e pelos seus grandes criadores. Yves Saint Laurent foi-o, de facto, o maior da segunda metade do século XX, cabendo os louros dos primeiros cinquenta anos a Coco Chanel. Se Chanel deu liberdade à mulher, Yves deu-lhe poder, transformando-lhe a atitude, ao criar em 1966 o smoking, em 68 o macacão, mais tarde o safari e as transparências …
Apropriando-se do vestuário masculino, respeitando-lhe corte, conforto e praticidade ajusta-o às formas femininas combinando simplicidade e elegância. A moda de Yves acompanha e ilustra a emancipação da mulher. É às mulheres que, em todo o Mundo o vestiram, seja alta-costura (um vestido podia atingir o preço de um rolls-royce) ou da linha pronto-a-vestir, que Yves agradece, quando, após quarenta anos de criação, anuncia a sua retirada. Igualmente agradece aos fantasmas da estética que sempre perseguiu e que o inspiraram em muitas das suas coleções.

A obra de Yves Saint Laurent ecoará eternamente na História da Moda, esse mesmo património que soube explorar e honrar, em muitas das suas criações, desde as antigas togas vestais transformadas em longos drapeados, aos inspiradores excessos da Renascença trabalhados com luxo e volúpia.

Algumas das suas obras mais icónicas estão agora ali teatralmente expostas para alvoroço do olhar. Percebe-se que o criador vive em cada trama, dobra, bordado ou aplicação. Razão maior da sua vida, a criação apaziguou-lhe tormentos e angústias, sendo também por estes uma figura que me fascina.

Voltei ao seu estúdio, o coração da casa, mas desta vez fiquei só naquele espaço alvo que nem uma tela de prova, apenas desafiado pelas lombadas coloridas dos livros por onde Yves viajava.
Por largos minutos foi como se o visse olhando o espelho que cobre toda uma parede, dominando a cena, esperando que modelo a modelo os seus desenhos surgissem reflectidos que nem aparições, ainda materializados em tela crua mas já dando a perceber a exactidão das proporções, do corte e da silhueta. Sobre a sua bancada de trabalho, uma espartana prancha sobre dois cavaletes, ordenam-se alguns dos seus objectos-amuleto, recordações e os indispensáveis lápis de onde nasciam as suas tão deslumbrantes e exclusivas criações.
Imaginei ali Pierre Bergé, que, por muito que já não fosse o amante, seria sempre o sócio e guardador. Juntos fundaram e dirigiram esta casa que virou um verdadeiro império e de tão frutuosa união de almas foi o próprio Yves quem disse: ”somos como uma águia de duas cabeças, rasgando os mares, derrubando fronteiras, conquistando o mundo com uma grandeza sem igual”.

Musée Yves Saint Laurent
5, Avenue Marceau
Paris
www.museeyslparis.com

5 comentários a “Um templo da alta-costura

  1. Carla

    Manuel
    Adorei!
    Quase me faz entrar no museu, a forma como escreve dá-me essa sensação, bom viajar consigo através das palavras e fotos.

    Forte esta frase:
    somos como uma águia de duas cabeças, rasgando os mares, derrubando fronteiras, conquistando o mundo com uma grandeza sem igual”.

    A beleza salvará o mundo.
    Fiódor Dostoiévski

    Abraço
    Carla

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