Que lindo dia de chuva! Assim pensei mal acordei sabendo que não seriam as negaças de São Pedro a estragar uma experiência que pressentia única. Se não vejamos: um passeio no Douro, do Porto ao Pinhão, num comboio com história e com almoço concebido por um Chef duplamente estrelado pelo guia Michelin. Só podia dar certo!
11:00 horas
Estação de São Bento, uma das mais bonitas estações ferroviárias do Mundo, muito pelos painéis azulejares, de Jorge Colaço, que lhe vestem a gare.
Lá estava ele, azul luzente, o comboio que serviu Presidentes entre 1940 e 1970 (de Óscar Carmona a Américo Thomaz, passando por Craveiro Lopes) à nossa espera, para uma experiência gastronómica de ida e volta, que vale, mesmo, a pena. O comboio estava no Museu Ferroviário, no Entroncamento, que a maioria, na qual este escrevedor se inclui, desconhece e que me dizem merecer atenta visita (fica prometida reportagem para breve). Abjurada a sua designação real, após o advento da República, o Comboio Presidencial manteve as três carruagens-salão, do tempo de D.Luis, até 1930, data em que a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses adquire uma nova carruagem para servir de Salão do Chefe de Estado. Uma das últimas viagens da composição terá sido efectuada a 30 de Julho de 1970, quando levou a urna de António de Oliveira Salazar, desde uma estação que se improvisou frente ao Mosteiro dos Jerónimos, onde se realizaram as exéquias de Estado, até Santa Comba Dão, de onde o antigo Presidente do Conselho de Ministros era natural (Vimieiro).
O comboio acabaria por ser desagregado e as suas carruagens guardadas em armazéns até que a criação do Museu Ferroviário resgataria algumas delas, ainda que as dispersando por vários núcleos. Em 2010 inicia-se um completo projecto de conservação e restauro, a nível mecânico, técnico e patrimonial que permite devolver à original composição toda a dignidade, entretanto, perdida.
Quando Gonçalo Castel-Branco visitou o Museu Ferroviário do Entroncamento procurando um comboio para desenvolver um projecto relacionado com música, entretanto à espera de melhores dias, percebeu que este histórico comboio estava pronto a correr sobre carris. E terá sido a sua filha Inês, apaixonada por cozinha, a dar-lhe o mote: porque não idealizar um projecto gastronómico usando o Comboio Presidencial?!
11:20 horas
Somos levados ao lugar que nos foi reservado. E logo nos oferecem um primeiro divertimento líquido: um “Diálogo Rosé” de 2014, das caves Nieport. O negócio é familiar e independente desde 1842. E este seria o primeiro de uma magnífica selecção de vinhos Nieport servida a bordo. Nada é deixado ao acaso: há outra selecção, desta musical a embalar a viagem, numa escolha da Casa da Música.
12:55 horas
Já o almoço começava a ser servido, numa das carruagens-restaurante. Mesas vestidas de branco, prontas a receber quanto o Chef Dieter Koschina criou para uma viagem onde os sentidos, todos eles, se alvoroçam. Ao macerar a ideia, Gonçalo Castel-Branco, pensou em juntar-se aos melhores, por isso desafiou o Villa Joya Hotel, na figura do seu reputado e duplamente estrelado Chef, a emparceirar o projecto. É o próprio Chef a dizê-lo: “Quando entrei pela primeira vez no Comboio Presidencial senti-me imediatamente transportado para a minha infância e para os filmes antigos. Acredito que este é um local fascinante para uma refeição “gourmet”, onde o charme do estilo clássico e a cozinha inovadora se encontram, proporcionando uma experiência verdadeiramente original”.
E assim foi, começando por uma sopa de champanhe, um outro divertimento de boca, para logo se iniciar uma refeição de excelência, verdadeira alquimia de sabores: Hiramasa (sashimi) de peixe-rei com couve-flor em três texturas; Lavagante Tristão, com cubinhos de manga, papaia e molho caril; Bochecha de porco ibérico com risotto de cevada, tudo servido em louça da Vista Alegre. A acompanhar, um “Moscatel Dócil 2013”, um “Redoma Reserva 2014” e um “Redoma 2006 Magnum”, cada um com o seu prato.
Entretanto já o Douro nos encanta com o seu misterioso serpentear e não mais nos larga até ao Pinhão, e assim continuaria a ser, se mais adiante fossemos, até darmos com terras de Espanha.
15:00 horas
O doce vai ter de esperar, que chegámos ao Pinhão para uma subida até à Quinta da Roêda. Uma prova de vinhos do Porto estava agendada, mas eu fiquei-me pela Estação admirando os seus azulejos, da Fábrica Aleluia, de Aveiro, representando cenas da faina duriense. E folguei em vê-los assim recuperados, que um património destes não se pode negligenciar. Depois foi tirar fotos com quantos foram sabendo que eu havia chegado no “comboio azul”, até com um encantador grupo da Maia que ali era em excursão. Foi uma risota pegada!
Esta foi-me tirada por uma jovem (Joana Gonçalves) aluna do Instituto Português de Fotografia (Porto) que ia a bordo.
16:30 horas
Estava na hora de regressar ao Porto. Havíamos ficado no prato de carne, faltava a sobremesa: um delicioso creme de açafrão com gelado de pistáchio. A acompanhar, um “Moscatel do Douro” que apetece mastigar, tal a sua veludez. E por fim um chá que não conhecia: kukicha. Há quem o beba como se fora presente dos Deuses. O Douro continuava a encher-nos o olhar e é como se o víssemos pela primeira vez, nunca se repete. Nos socalcos ainda mal despontam as vinhas, mas a fragrância sofisticada a uva e bagas vermelhas já nos envolve numa caricia. Só a “Castelbel” o consegue com os seus ambientadores, espalhados pelas cabinas. O que falta até chegarmos, leva-nos à leitura de um livro, a dois dedos de conversa ou ao silêncio que apazigua. Cerram-se os olhos como que para guardar este tesouro de emoções.
19:00 horas
Ao Porto regressámos, de alma cheia. E orgulhosos de um projecto de sucesso garantido, a ver pela ocupação do comboio (oitenta por cento dos viajantes eram portugueses) e sabendo que a próxima semana também está lotada. A ponto de haver mais viagens agendadas para Setembro. Gonçalo Castel-Branco é o produtor de toda esta experiência e uma vez mais aqui revela o seu empreendedorismo e talento mobilizador. Preocupado com o detalhe, coisa tão pouco nossa, não deixa que coisa alguma falhe, desde a delicadeza e simpatia de toda uma vasta equipa até à excelência da refeição servida a bordo, passando por todos os mimos com que somos acarinhados, para que a memória perdure. Realmente foi uma viagem inesquecível.
Parabéns Manuel Luis Goucha, pela sua maravilhosa reportagem. A maneira como a descreve, quase nos leva a imaginar, que estamos viajando também!
Gosto muito de si, e acompanho os seus programas há já bastantes anos.
Um beijinho
Boa noite.
A APAC, Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos de ferro, muito gostaria de entrar em contacto para troca de impressões sobre este excelente relato.
Muito bom!
Escrevi um comentário a uma viagem inesquecível, não aparece, creio k fiz tudo bem,o k aconteceu?foi no dia 10 Obrigada, podem informar?
Boa tarde. Já estivemos a verificar e não encontramos nenhum comentário seu nessa data. Talvez tenha ocorrido um problema com a ligação à rede.
Obrigado,
Admin
… e no final de uma viagem que não fiz fiquei a ouvir os leves ruídos deixados pelos tacões da realeza, os cheiros de um rio que inundam os corredores de um comboio onde não andei e a lembrar velhas memórias de infância … pouca-terra … pouca-terra!
Obrigada Manel pela viagem que fiz pelos teus olhos.
cristina
Bom dia meu querido “tio Goucha” é assim que o trato desde de sempre e com muito carinho.
Tive o gosto de o conhecer no sabado.
Você é lindo.
Sobre a sua viagem é uma viagem que faço todos os verões com os meus filhos.
Vistas maravilhosas e faz me reviver a infância quando ia para a aldeia do meu pai.
Um jinho grande para si e parao sr Rui.
Adoro-o
Manuel
Adorei a reportagem!
Lindo tudo, elegante como sempre :-).
Abraço
Carla
Manuel Luís -além de me fazer companhia todos os dias sempre que posso visito o seu blog, e aprendo muito .fica tanta vontade de ter uma experiência destas.Muito obrigada
Obrigado Carla.
Um beijo
Olá Eneida
Obrigado pelo comentário
Um beijo
Maravilhosa viagem…até para outro tipo de eventos…um sonho!!
E eu até sou deste Paraíso. Se puderem venham apreciar esta beleza,
Património Mundial.
MLG,
Uma partilha…emocionante., de tal maneira que até parecia que o chá que tenho na minha caneca… Seria aquele chá com um nome difícil que lhe foi servido..maravilhosa esta viagem,, com os detalhes dignos de uma história de encantar
Obrigado pela partilha muito bom para um domingo à tarde,onde o frio e a chuva,nem sequer incomoda quando se tem uma caneca de chá na mão e se vê estas fantásticas fotos
Obrigado
Paulinha Velez
A viagem parece magnífica mas a tua prosa , querido Manel, embala-nos de tal forma que podemos quase degustar, cheirar e olhar pelas janelas e sonhar o Douro!
Ainda bem que gostaram . Um beijo grande para ti e para o Rui.
Luisa ( mãe babada e avô galinha)
Querida Luisa
Realmente que belo trabalho que fizeste com os teus filhos.
Um beijo
Simplesmente fabuloso! Sendo que, a sua prosa , torna ainda mais bela toda a descrição desta fabulosa viagem!
Obrigada pela partilha.
Olá Teresa
A minha prosa acanha-se perante a experiência.
Obrigado pelo seu comentário
Um beijo
Com este relato só nos resta ir ali a Santa Apolónia apanhar e comboio e rumar ao Norte! Ficamos a sonhar com uma viagem destas!
Um beijo Célia e obrigado