Do bigode ao açafrão

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Oh não, doces outra vez! E logo quatorze, tantos os concorrentes em prova, pela manhã, e depois de no dia anterior termos provado as sobremesas feitas com mel. É que se para si entre um e outro programa há uma semana de permeio, para nós jurados e concorrentes isto das gravações tem sido uma empreitada diária. E é difícil suportar tanto açúcar, mesmo para mim, impenitente lambareiro. Sempre julguei que a Cátia fosse pela raiz que a “cloche” escondia, como que simbolizando a identidade da cozinha do chef Rui Paula, a cozinha da memória, revisitada com a maestria a que ele nos habituou. Mas não, optou antes pelo bigode, lembrança dos meus primeiros tempos na televisão quando nela entrei pela porta da cozinha, para fazer programas para os mais novos e onde uma receita era pretexto para a festa entre cantorias e representações.

Assim sendo, era mais que sabido que gulodices teriam de fazer, já que essa é a especialidade em que me sinto à vontade. É caso para dizer: “eu é mais bolos!”. Poucos ligaram à doçaria tradicional (e se ela é rica!), a não ser o Márcio que optou por arroz-doce, tal e qual o faz para o Martim, seu filho, a Cátia que resolveu trabalhar a ideia de uma encharcada à qual acrescentou maçã e o Leonel que em boa hora, ainda que só tendo metade dela, optou por umas deliciosas e irrepreensíveis farófias. Pensou juntar-lhes chocolate derretido mas ainda bem que arrepiou caminho, que ao fazê-lo só as abastardaria, acabando por perder o desafio.

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Acabada a prova metemos pernas a caminho da Serra da Estrela, que é lá que fica Folgosinho, a mais de novecentos metros de altitude, cenário para a segunda prova de equipas desta série MasterChef. Chegámos já caía a noite, mas ainda a tempo de um magnífico jantar no Hotel Madre de Água onde pernoitámos. Um hotel de serra inserido numa extensa propriedade rural com produção própria de frutos, hortícolas e queijos, onde pontifica o célebre da Serra, feito do leite da ovelha, do pasto, da flor do cardo e de gestos frios e demorados.

Encantou-me este refúgio, pelo bucolismo da envolvência, pela generosidade do acolho e pela qualidade do serviço.

Folgosinho já foi sede do concelho, por isso teve Câmara, tribunal e cadeia, sendo que hoje é pertença de Gouveia. O adro e a casa de Viriato, bem como a Fonte dos Guerreiros, mesmo à entrada da aldeia lembram a tradição de séculos que nos diz ser daqui o lusitano guerreiro. Gostei do casario em pedra, infelizmente aqui e ali maculado por algumas aberrações, que isso nos idos de oitenta foi praga que assolou o país, com total conivência de muitos autarcas, desfigurando-se assim alguns dos nossos mais belos lugares. Mas o melhor de tudo foi a simpatia de quantos nos receberam no largo onde a prova de equipas decorreu, mesmo nas ventas de um santuário de bem comer e que muitos forasteiros leva à terra: o célebre “Albertino”.

De um lado a equipa de vermelho capitaneada pelo Leonel, afadigava-se na confecção de uma entrada de queijo da Serra, servida em bola panada, de um suculento cabrito assado que era para ser acompanhado de arroz de miúdos, solto, acabando por se revelar quase uma argamassa intragável (que ideia estapafúrdia, essa de porem a Silvia a fazê-lo) e de uma sobremesa de requeijão com um delicioso doce de abóbora perfumado de hortelã
(bravo Marita!).
Não havia quem que não batesse o dente com o taró da serra, até eu que gosto de frio (houve mesmo quem tivesse vestido ceroulas!), mas a Cátia mostrou-se imperturbável, do primeiro ao ultimo minuto da prova, apenas de blusa fina sobre a pele e no comando da equipa vestida de azul (é mulher de muita fibra!). A ideia desta era servir um folhado de queijo da serra que resultou delicioso, como de babar seria o ensopado de borrego, perfumado de alecrim. Só mesmo a sobremesa ficou aquém da apresentada pelos adversários. Mas ainda há dúvidas em relação à qualidade técnica dos concorrentes desta edição?

Talvez o andamento da prova lhe tenha indicado o contrário, dadas as indefinições e  atabalhoamentos, pelo menos de uma das equipas, mas a decisão final coube a quantos se sentaram nas mesas corridas junto à capela. É sempre imprevisível o resultado das provas em exterior, que isto “cada cabeça sua sentença” e no final, contas feitas, ganhou mesmo a equipa azul.

É enquanto as equipas cozinham que eu aproveito para fotografar, e até filmar, para depois partilhar aqui tudo quanto me assombra. Ali é o imenso verde e o branco que o cobre em chegando a invernia. A pedra, a mesma de que fogem quantos procuram melhor vida em longes paragens. Os rostos rugosos de quem tem muitas histórias para contar. Há sempre um olhar amigo, uma saudação, gestos únicos de quem resiste na terra e gosta de receber.

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Regressados à cozinha do MasterChef, esperava-nos uma caixa mistério do tipo matrioska. É que até chegarmos ao elemento-rei da prova de eliminação, houve que levantar umas quantas caixas, sendo que umas se encaixavam nas outras. Foi divertido ir vendo a reação dos concorrentes até descobrirem que seria o açafrão o grande elemento da prova. Usado desde a Antiguidade (Homero fala dele na sua Ilíada) como especiaria, o açafrão tal como o conhecemos, em filamentos, resulta da secagem dos estigmas da flor de uma planta da família das Iridáceas. Se eu lhe disser que oitenta quilos de flores dão um quilo de estigmas, que depois de secos resultam em oitenta gramas de filamentos, talvez entenda o preço elevado do verdadeiro açafrão. Sim, que o pó que correntemente é vendido como açafrão, até que pode ter um ou outro filamento pulverizado, mas o mais é curcuma, sendo que este pó se obtém da raiz da planta originária da Índia. Nada a ver com o açafrão.

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Bem que o Leonel podia ter tirado o corpinho de fora, tinha esse direito, mas antes quis ir a jogo, salvando quem, em seu entender, se havia destacado no seio da sua equipa, ou por ter feito um doce irrepreensível, caso da Marita, ou por ter mostrado grande capacidade de trabalho, caso do Pedro. Tal atitude revela, sem dúvida, um sólida formação por parte do Leonel. No ano passado o Lobão, perante uma situação idêntica, começou por salvar a pele, lembra-se? Quem não se comoveu com tal foi a Silvia, que logo foi dizendo, preto no branco: “eu no lugar do Leonel, e com essa vantagem, salvava-me em primeiro lugar, que o que eu quero é chegar longe e, se possível, ganhar”. Duas posturas completamente diferentes e contudo, ambas legítimas.

Seria a Silvia a brilhar mais alto com uns raviolis de massa fresca, feita na hora, recheados de ricota, e passados por manteiga perfumada e tingida de açafrão. Deliciosos, a fazerem jus à sua condição de italiana. Pena que não seja, pelo menos por enquanto, tão forte nos arrozes.

A prova ditou a saída da Vânia, a jovem licenciada em radiologia, com mestrado em gestão empresarial. Já deu aulas, foi “barmaid” e relações públicas. Na cozinha de preparação cativou-nos pelo seu caril, do melhor que provámos. Pena que desta o seu arroz amarelo, com frango enrolado em bacon, não se tenha mostrado à altura da exigência de uma competição como a do MasterChef.

Na próxima semana:

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Vamos ao Museu da Carris, conhecer a história da empresa e dos seus amarelos. Ali provaremos dos petiscos da cidade, sem que faltem os pasteis de nata, estes a revelarem-se um verdadeiro quebra-cabeças para os concorrentes. E mais não digo, para não perder a graça. Até lá!

2 comentários a “Do bigode ao açafrão

  1. Mlg

    Francisco
    Não posso concordar consigo na apreciação que faz dos concorrentes. Estes são muito melhores que os da edição anterior em técnica culinária, empratamento , confecção e até no conhecimento do jogo. Claro que vão evoluir e tenho a certeza que irá ver isso ao longo da série. Nenhum destes concorrentes teve qualquer formação antes de entrar na competição como acontece noutros países, por exemplo na Austrália. Aliás, divirto-me imenso quando ouço dizer que as crianças do MasterChef Austrália Júnior cozinham melhor que os adultos portugueses. Claro que são fantásticos, mas passam for uma formação de dois meses antes de começarem a gravar. Isto é televisão! Obrigado pelo seu comentário.

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  2. Francisco Faria

    Gosto muito do formato do programa e por isso não perco um episódio. Assim, quando pergunta “Mas ainda há dúvidas em relação à qualidade técnica dos concorrentes desta edição?” eu digo-lhe peremtoriamente que não. Não há dúvidas de que deixam muito a desejar!
    Por comparação às edições de outros países penso que o Masterchef Portugal só fica à frente do Brasileiro, em que tudo era motivo para fazer farofa, para os restantes afirmo com toda a certeza que nem nos finalistas estes concorrentes estariam, aliás se tivessem a oportunidade de apresentar os pratos ao júri já seria uma sorte…

    Na nossa edição os concorrentes confecionam pratos perfeitamente banais e fazem-no mesmo que estejam a cozinhar nas suas zonas de conforto. A apresentação é descuidada, não há “glamour”, não há rasgo de artista, não se vê nenhum concorrente com técnicas dignas de registo para o tipo de concurso em que se pretende escolher o Masterchef mesmo que dentro de um conjunto de amadores.
    *(Nota de exceção para a Ann-Kristin que talvez possa ser a única a fugir deste padrão)

    No episódio de hoje deu para ver mais uma vez que dois ou três concorrentes passam completamente ao lado do programa, nomeadamente a Renata que pouco tempo de antena tem, a Olga que lá fica nas suas sobremesas, e o Macedo que nem sei bem o que dizer pois se até o chefe Rui Paula lhe disse que anda lá a fazer turismo….

    De resto sobram aqueles que no início da prova querem fazer tudo e no final não fazem nada e depois avançam com a desculpa esfarrapada da “descontrução do prato”, enfim.

    Na semana passada uma concorrente perguntou a outra o que era a “mise en place”, ora acho que quanto ao conhecimento dos termos e práticas culinárias este é um bom exemplo que atesta da qualidade dos concorrentes.

    Continuarei a acompanhar pelo espetáculo televisivo, pela qualidade dos jurados e, espero, pelas “Masterclasses” que irão disponibilizar no site.

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