Fernando Corrêa dos Santos brindou-nos agora, aos oitenta e um anos, com o primeiro, espero que, de muitos livros, com fotografias suas, dos anos cinquenta ao Portugal dos nossos dias. É uma viagem irrecusável, esta que nos propõe, página a página, através das fotos e dos comentários, seus e da maior parte dos fotografados. E vejam-se nestes os nomes maiores da televisão, do espectáculo, da política e da sociedade. Até eu lá estou, junto com a minha “eterna mulher”, e confesso que fico contente por me ter escolhido, até porque sei que, pelo menos, como profissional, não deslustro o naipe.
O que segue é o cruzamento entre as memórias do autor e as minhas próprias, acordadas por algumas das suas fotos. É no que dá ter alguma idade!
1957 Visita de Isabel II a Portugal
A fotografia de Fernando Corrêa dos Santos (que serve de capa ao livro) foi gabada pelo Palácio de Buckingham e correu Mundo. Isabel de Inglaterra chegou ao cais das colunas no bergantim real (construído em 1780 por encomenda da rainha D.Maria I, e que pode ser visto no Museu da Marinha, em Lisboa) ao lado do seu marido, o príncipe Filipe de Edimburgo, e foi recebida pelo então Presidente da República, o marechal Craveiro Lopes e por sua mulher Berta. À qualidade da foto não será também alheia a jovialidade da rainha e a magnificência da carruagem da coroa, puxada por oito cavalos, onde se fez deslocar nesta sua visita e que pode ser admirada no novo Museu Nacional dos Coches.
A minha memória:
Com três anos seria difícil que me recordasse de alguma coisa. Mas cresci ouvindo a minha mãe falar da chegada da rainha ao Terreiro do Paço e do deslumbre de toda aquela pompa e circunstância. Dizia ela que o povo foi para rua acolher Isabel II e que a tribuna, onde estavam todas as entidades oficiais, era de cristal. Certo é que a RTP, que haveria de começar as suas emissões regulares nesse mesmo ano, teve nesta visita real a oportunidade de efectuar a primeira grande reportagem de toda a sua longa vida.
1968 Dr. Christian Barnard em Coimbra
O Dr. Christian Barnard era, à época, um dos homens mais falados em todo o Mundo, pelo facto de, no ano anterior, ter feito, na Africa do Sul, o primeiro transplante do coração. Fernando Corrêa dos Santos dá-nos conta, nesta fotografia, de uma cena divertida entre ele e estudantes de Coimbra, quando esteve naquela cidade, a convite da Universidade. Teve direito a tudo como se fosse uma estrela de cinema: tunas, capas estendidas no chão, serenata monumental nas escadas da Sé Velha e uns copitos a mais, numa das famosas repúblicas de estudantes.
A minha memória:
Se esta não me falha, assisti à sua chegada à Praça da República, uma vez que estava no telhado da Associação Académica. Tinha, então, quatorze anos.
1969 Salazar a caminho de votar
O ano de 1968 ficou marcado pela queda de Salazar e da sua consequente incapacidade em governar. Substituído por Marcelo Caetano, por decisão do então Presidente da República, Américo Tomás, Salazar até à data da sua morte, em 1970, continuou a viver no Palácio de São Bento, onde havia exercido as funções de Presidente do Conselho de Ministros, e a julgar que ainda governava, por via de toda uma encenação patética de que foi alvo. Em 1969, numa das suas então raras aparições publicas, foi visto e fotografado a caminho das mesas de voto da rua da Bela Vista, à Lapa, ali a dois passos.
A minha memória:
Lembro-me de tudo quanto diz respeito à enfermidade de Salazar, internamento no Hospital da Cruz Vermelha e os progressos e recuos da sua recuperação. O estado de saúde de Salazar era, diáriamente, noticia de abertura do Telejornal. Pelo átrio do hospital onde foi operado, e esteve internado, passaram as mais diversas figuras do regime, do espectáculo, da televisão, do desporto…, assinando um livro colocado à disposição para as mensagens de melhoras.
1969 Simone e a vitória de “Desfolhada”
Simone foi a primeira a cantar no São Luiz, naquela edição do Festival RTP da Canção e a música portuguesa não mais seria a mesma. Nascia assim uma dupla de avassalador talento, constituída por José Carlos Ary dos Santos e Nuno Nazareth Fernandes. É a própria Simone quem o diz, no texto que acompanha a fotografia de Fernando Corrêa dos Santos: “…Ter dito: ‘quem faz um filho fá-lo por gosto’, fez com que o país ficasse em choque! Fui insultada… apupada… meteu polícia! Mas valeu a pena. Se valeu!”.
A minha memória
Naquela altura, e assim seria ainda por uns bons anos, o país parava para ver o Festival da Canção e a Eleição de Miss Portugal. Tinha então 15 anos e lembro-me de ter vibrado com a canção “Desfolhada” e de ter gostado também da ultima , “O Vento do Norte”, interpretada pela Maria da Fé. Durante meses só se falava do verso escandaloso de Ary dos Santos e ficou-se em suspenso do que seria a votação da canção no Festival da Eurovisão, realizado em Madrid. Havia quase a certeza de que iríamos “limpar aquilo”, mas tal não aconteceu, longe disso, pelas razões que a própria Simone já lembrou inúmeras vezes. O resultado final desse festival, onde Simone se apresentou num deslumbrante vestido verde vivo (ficámo-lo a saber depois da televisão a cores, que então era tudo a preto e branco), da autoria de Ana Maravilhas, foi “sui generis”, uma vez que quatro países conquistaram a vitória ex-aequo: a própria Espanha, a Holanda, a França e o Reino Unido. Gostei muito da canção francesa: “Un jour, un enfant”, interpretada por Frida Boccara.
A eleição de Miss Portugal fazia o país parar, como já antes lho havia dito. Não se via vivalma nas ruas. Ana Maria Lucas, aquela que seria a nossa “eterna miss”, foi apanhada pela objectiva do autor, no momento em que, já na posse do titulo, desfila pela passarela, conduzida pela mão de Gilbert Bécaud.
A minha memória:
Lembro-me perfeitamente de tudo ter acompanhado pela televisão. A RTP era a televisão. A emissão foi apresentada por Maria Leonor, uma das vozes mais icónicas da rádio, e Gilbert Bécaud, nome grande da canção francesa, foi o artista convidado. O senhor “100.000 volts” como era conhecido, interpretou alguns dos seus maiores sucessos, mas o grande momento da noite seria aquele em que cantou em dueto com Amália, que assistia ao espectáculo num camarote do São Luiz, o tema “l´important c´est la rose” (e não se veja neste avivar de memória qualquer conotação política!).
O fotógrafo estava no Mosteiro dos Jerónimos naquele dia do casamento de Madalena Iglésias. Mal sabia ele que a sua carreira artística em Portugal estava com os dias contados. Madalena optou, no auge, por seguir o seu marido e viver na Venezuela. O seu clube de fãs ficou inconsolável.
A minha memória:
O acontecimento teve direito a uma cobertura jornalística sem precedentes, até mesmo peça no Telejornal. Também pudera, Madalena e Simone eram nomes maiores da dita música ligeira portuguesa, emparceirando com António Calvário e Artur Garcia. Calvário e Madalena faziam par romântico em algumas das fitas de grande sucesso do cinema português, como o “Sarilho de Fraldas”, por exemplo. Em 1966 ganhou o Festival RTP da Canção com “Ela e Ela”, tema que ainda hoje é interpretado com outras roupagens musicais. Confesso que, na altura, torcia pela canção que acabaria classificada em segundo lugar: “Eu nunca direi adeus”, interpretada pelo cantor madeirense Sérgio Borges, mas isso tinha mais a ver com o facto do autor da letra, António de Sousa Freitas, ser meu tio.
Quem não ouviu já falar desta canção «E depois do Adeus», interpretada pelo Paulo de Carvalho, por ter vencido o Festival RTP da Canção, em 1974, mas sobretudo por ter sido, um mês depois, a primeira das senhas para o arranque da Revolução dos Cravos?
A minha memória:
Divirto-me a recordar a apresentadora dessa edição do festival, senhora, aliás, de quem muito gosto e respeito: Glória de Matos, e o quadro que de electrónico ainda nada tinha. A Glória lá ia apontando, a giz, as pontuações dadas por cada capital de distrito, para logo as apagar e somar as seguintes. Pertencemos a uma geração que sabe fazer contas! Quando em 1999 fui eu a apresentar o festival RTP da Canção, junto com a Alexandra Lencastre, tudo era bem mais fácil, mas já sem o elã de festivais idos.
Em que ano veio a Portugal não sei, mas que Brigitte Bardot era um sex-symbol, e um ícone do cinema francês das décadas de cinquenta e sessenta, lá isso era. E lá estava o nosso Fernando, de máquina em riste, para nos brindar agora com esta foto onde a actriz está com o seu marido da altura.
A minha memória:
Tinha posters da Brigitte Bardot nas paredes do meu quarto (quem diria, não é?).
Não faço a mínima de quem seja este marido, mas muito anos depois vim a conhecer e a entrevistar um dos seus homens: Sacha Distel. Foi há 23 anos, no programa “Momentos de Glória”, e lembro-me de ter querido falar sobre Brigitte Bardot, não tendo sido muito bem sucedido, porque para Sacha Distel, e segundo palavras suas, ela não terá sido das mulheres mais importantes da sua vida. Ainda assim acrescentou: “apesar de ser uma mulher sublime, Brigitte não era a mãe ideal para os meus filhos. Agora quando se tem a sorte, como eu tive, de privar com uma mulher assim, fica sem dúvida uma recordação agradável”. E mais não disse.
Olha que dois!!
Esta foto terá, necessariamente, mais de vinte anos. Não é pelo bigode farfalhudo, como então se usava, mas pela cumplicidade dos dois. Não, que ela, entretanto, se tenha perdido, mas naquela altura a ligação entre mim e a Teresa era muito forte, profissional e afectivamente, a ponto de muitos julgarem que éramos casados. E, até que éramos… televisivamente.
O “Olha que dois!!” foi um projecto comum, em autoria e apresentação, produzido pela Edipim, para a RTP, sendo, então, José Eduardo Moniz o director de programas da estação. E foi um sucesso! Por ele passaram os maiores nomes da representação, da televisão, da música, em suma: do espectáculo. Era como que uma homenagem feita por nós, com a cumplicidade de familiares e amigos, também presentes em estúdio.
Acabado o “Olha que dois!!”, a Teresa foi a SIC e eu para a TVI, para fazer o “Momentos de Glória”. Ficou a amizade e o respeito que um tem pelo outro e pelo trabalho que nos faz feliz!
Portugal
Da década de 5O aos nossos dias
100 fotografias únicas comentadas pelos seus protagonistas
de Fernando Corrêa dos Santos
edição:Prime Books
Este marido é Jacques Charrier, com quem teve um filho.
É certo que recordar é viver mas confesso que quando olho para fotos suas do passado,dum passado muito distante,comparo-o a uma lagarta que com o passar do tempo vira borboleta <3 <3 <3
O número 14 escreve-se com q?confesso que estou baralhada. Obrigado pelo seu testemunho
Olá Marina
O número quatorze pode escrever-se com q. Foi assim que aprendi na escola e está correcto.
Eu aprendi com c, mas como gosto de saber mais fui verificar e na verdade pode ser escrito das duas formas.obrigado