COIMBRA TEM MAIS ENCANTO…

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Não me lembro das fotos, de tão miúdo que era, mas lá que foram tiradas no Jardim da Sereia ou Parque de Santa Cruz, sob o olhar atento da avó Palmira, disso não tenho dúvidas. Tantos anos depois, voltei a sentar-me no mesmo banco corrido e azulejado, jubilando com a intervenção que ali decorreu em 2005 e que devolveu ao jardim toda a sua beleza e dignidade. Por ele passava sempre que vinha do liceu, por caminhos que achava só meus, perdendo-me em divagações que a misteriosa envolvência acicatava.

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E já que falei dele, ei-lo: o antigo liceu D. João III, há muito que escola secundária José Falcão. A régia figura que o nome evoca está ligada a Coimbra por várias razões, sendo que a mais estimada terá a ver com o regresso definitivo da Universidade à cidade. Falar do Liceu, onde entrei aos nove anos, é recordar quantos me souberam incutir o gosto pelo conhecimento, mas igualmente exorcizar a lembrança do abominável reitor de então. Nunca lhe soube o nome, que para nós alunos amedrontados bastava ser o Pulga. Tinha razão quem assim o alcunhou, dada a sua falta de dimensão física, humana e pedagógica. De vez em quando resolvia passar “revista às tropas” e, quando alguém gritava “lá vem o Pulga!”, logo nos perfilávamos, encostados à parede, para sermos corridos à chapada. Ainda estou para perceber por que razão levei umas quantas.

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É ali desde 1772 e por iniciativa do Marquês de Pombal. Foi criado com o objectivo de complementar os estudos de História Natural e de Medicina. Visitar um jardim botânico é como viajar pelo planeta sem sair da cidade. O meu respeito pelas árvores nasceu neste Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Para além do muito que ali podemos aprender, não faltam românticos cantos e recantos para o derriço. Eu que o diga!

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Tinha sete anos quando o Teatro Académico de Gil Vicente foi inaugurado, como a sala de espectáculos e particularmente de cinema, mais moderna e exigente da cidade. É ele quem marca a minha passagem das matinés para as soirées; do calção joelheiro para o par de calças; de filmes como “Os 101 Dálmatas” para “My Fair Lady”. Digamos que esta sala atesta a minha adultez como cinéfilo e por isso merece recordação.

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Todos os dias passava por este jardim a caminho de casa e sempre me fez espécie o seu nome: Jardim da Manga. Da manga, porquê? A resposta tê-la-ia muitos anos depois e terá também a ver com D. João III. O rei, ao visitar o Mosteiro de Santa Cruz, terá verificado que havia ali todo um espaço desaproveitado e, por isso, terá usado a manga do seu gibão para desenhar o esboço do que viria a ser o renascentista Claustro da Manga. O que resta dele configura-se, ainda hoje, como dos mais originais jardins da cidade.

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Aqui fiz a catequese e a primeira comunhão. Era aqui, na Igreja de Santa Cruz, que vinha com a avó Palmira à missa do domingo, sem perceber patavina, que a celebração era em latim e “de cú” para o povo. Agradava-me, sim, a teatralidade com que tudo decorria, entre celebrante e assembleia, e sobretudo fascinavam-me, tal como hoje acontece, todas as representações artísticas da Fé. A Igreja foi mandada construir por D. Afonso Henriques, em 1131, sendo que ali está sepultado, bem como seu filho e sucessor D. Sancho I, e por isso é tida como Panteão Nacional.

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E lá voltamos a D. João III, agora pelo mais vergonhoso dos motivos, dado que foi ele quem trouxe para Portugal a Inquisição. Eram aqui os edifícios do Tribunal do Santo Oficio que ao longo de 255 anos mandou torturar e matar na fogueira milhares de vítimas, sempre em nome da defesa da Fé e da Igreja. Da janela do meu quarto a minha vista não ia além deste Pateo da Inquisição. A mais grata recordação terá a ver com um festival de teatro que ali decorreu. Vibrei ao ver representada “A Sapateira Prodigiosa” de Frederico Garcia Lorca e, particularmente, um espectáculo/colagem de quadros vicentinos, logo numa altura em que um inspirado professor de português teatralizava, nas suas aulas, Gil Vicente. Foi o teatro televisionado em directo (lembra-se?), o que muitos me souberam ensinar e o que cedo comecei a ler que me levaram a dizer, à minha mãe, que não queria que a minha vida tivesse o tamanho daquele pátio. Por isso, aos dezassete saí de casa… e agarrei a vida. A minha vida!

20 comentários a “COIMBRA TEM MAIS ENCANTO…

  1. Filomena Amaral

    Não me canso de ver fotos da cidade da minha infância e primeira juventude. E, francamente, só alguém como o Manel para descrever Coimbra e enquadrá-la na História deste modo.
    Muito obrigada por partilhar a sua forma de ver as coisas connosco.
    Beijinhos e continue!

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  2. MCéu

    Coimbra tem mesmo encanto especial.
    Como recordo a minha infância nessa tão linda cidade aonde nasci – freguesia de Sé Nova, mais propriamente aonde é hoe o Conservatório de Música (antiga maternidade Bissaya Barreto).
    O meu baptismo foi no Mosteiro de Sta. Cruz e frequentei a Escola Primária S. Bartolomeu,
    Obrigada Manuel Luís por me fazer viaar, mesmo que virtualmente, à minha cidade.
    Tem uma linda Mãe.

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  3. Maria Emilia Cunha Lopes

    Como é linda estaCoimbra k eu amo e como a descreve tao bem,só o Manel com a sua inteligencia o poderia fazer,é unico, pq nao escreve um livro? Sobre as suas viagens e conhecimentos? Ia agradar a mta gente.Fiquei feliz está manha só por saber k le as minhas msgns.Sou feliz com pouco.Continue sempre assim,tem uma vida linda,que Deus o proteja .Um abraço

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  4. Rúben Henriques

    As histórias do Manel são sempre boas para ler neste tempo de regresso às aulas… Serve como inspiração, força para lutar, para não desistir.
    Quanto às chapadas, é muito dificil (para mim) perceber como antigamente os professores podiam ter tal contacto com os alunos.
    Não tinha referido que é Agnóstico? Como pode ter feito a Catequese?
    Abraço!

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    1. MLG

      E acha que eu sabia o que era ou deixava de ser aos dez ou doze anos? Mais tarde sim … foi quando pus tudo em causa. Preciso sempre de entender as coisas. Não é por me dizerem que existe Deus que acredito. Como aceitar que me falem do indizível? Não reconheço essa capacidade a quem quer que seja. Por isso sou agnóstico.

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      1. Rúben Henriques

        Concordo bastante consigo, Manel. Eu sou batizado, por ordem dos meus pais. A minha dúvida é como é que uma pessoa faz para mudar assim. Bastará acreditarmos no que acreditamos ou também contará aquilo que está no papel?
        Eu, prefiro seguir os meus principios e acreditar nas minhas próprias capacidades, e não ficar à espera que algo aconteça pedindo a Deus.
        Abraço!

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  5. cristina pereira

    Parabéns manel,està sempre a trabalhar pensando em nós ,paisagens as suas fotografias de criança´tudo um espetáculo, bem haja, até amanhã

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  6. Ana Maria Direitinho

    Manuel Luís, li agora um pouco das suas recordações e vivências enquanto menino\ jovem. Desde sempre, teve sede de conhecimento e vontade de voar.
    Factores que aliados a muitos mais, contribuíram para que seja um comunicador excelente e um ser humano incrível. Sou sua fã desde sempre.
    Bem haja por tudo.

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  7. Clara Costa

    Pelo que vejo o Manuel não esquece, COIMBRA é sempre linda, é um Amor que não se perde, perdura para sempre, eu também amo a minha COIMBRA…….um abraço.

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  8. Sandra Góis

    Simplesmente…mágico. E o Manuel Luis era um doce de menino. Amei a sua exposição e descrição das imagens.Faz-nos viajar no tempo. Eu quando era criança, deliciava-me a imaginar a vida dos nossos antepassados, dos que passeavam pelas ruelas antigas. Aqui na minha ilha da Madeira, temos também tantos espaços encantados. Obrigada por connosco factos da sua vida de menino.
    Beijinhos
    Sandra

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    1. Ana Carvalho

      É extraordinário como podemos olhar para um passado, que mesmo não sendo o nosso, nos deixa imaginar os momentos, saudosos, inocentes, mágicos, que para o Goucha são bagagem de conhecimento, de vida, da sua vida… E é através da sensibilidade das palavras sinceras, que podemos sentir o quanto verdadeiro e enternecedor foi a sua vida em coimbra.
      Gosto muito de ler o que escreve, consegue sempre a transmissão de alguma emoção. Isso é admirável.

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    2. Fernanda Ferreira

      Belas fotos, e penso que belas recordações para o Goucha.
      Está muito bem nas suas fotos.
      Boa Noite e que continue assim com toda a sua classe.
      Bjos. Fernanda

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