Ainda ontem a prosar sobre o programa Masterchef e a dizer que ninguém me apanha em casórios, a não ser que a isso seja obrigado, profissionalmente, claro, e não é que encontrei estas duas fotos bem antigas no caixote das recordações? Coisas de ter a mãe em casa, que quando vem, traz uma caterva de memórias atrás.
Comecemos por ela, toda janota no casamento de uma antiga colega de trabalho (a Isabel, que a partir desse dia passou a levar Serra, como apelido). Fui a esse casamento sim senhor, não tenho é outro registo que não seja a lembrança. E quase ia jurar que a cerimónia decorreu na Igreja de Santo António dos Olivais, em Coimbra. Acho que de rapazelho que era ainda fui de calções e laço, mas a minha mãe, essa ia, pelo menos aos meus olhos, um deslumbre num vestido e casaco comprido, feitos por medida na “Marsan”, uma casa de modas muito na moda nos anos sessenta em Coimbra, em shantung de seda (e ainda recordo a cor) verde água. Para mim era a mais bonita da festa! Na cabeça pedia-se chapéu ou mantilha e lá foi ela de “penico”, também comprado para a ocasião e a condizer com as luvas. O que nos divertimos
(eu e o meu irmão) à conta dele! Esse chapéu foi, depois, vezes sem conta emprestado para outros casórios e que me recorde para a minha mãe não teve mais préstimo.
Já na outra festança, eu havia espigado, por isso ia, verdadeiro “nerd”, de fatinho três botões, em xadrez (ainda hoje é dos padrões de que muito gosto e uso). O casamento, de um primo direito, o Zé, com a Luísa, um exemplo de mulher de garra e coragem que aqui não cabe, realizou-se nos Jerónimos e para ele a minha mãe optou por um vestido estival feito na sua costureira, igualmente em Coimbra. Havia deixado de ser “um pau de virar tripas” e por isso não parece a mesma do enlace anterior. Para mim era sempre a mais bonita e como me orgulhava de ser o seu par nas poucas saídas!
Curioso, ou talvez não, é o facto de me lembrar das cerimónias religiosas, a que sempre assisti como a um espectáculo de qualidade, e não ter conservado resquício que seja da comilança. É o que eu digo: aquilo acaba sempre com elas (nem todas) descalças e eles (nem todos) de gravata à banda! E eu sou sempre (ou quase) pela compostura!
Bom dia Manuel Luís, antes de mais as minhas desculpas por invadir este seu espaço, já tentei pelo site da TVI mas não é entregue não entendo muito bem porque.
Hoje dia 18 de Março assisti ao seu programa como é hábito, assisti com atenção ao tema da obesidade.
Queria pelo menos contar-lhe a minha história desde o inicio, não sei se alguma vez a vai ler mas serve para desabafar.
Eu nasci em Lisboa, estive alguns anos da minha infância a viver no Bairro Alto onde vivia com a minha mãe, pai, avó e algumas pessoas que devido à proximidade eram como se fossem meus primos, a minha vida começou a mudar aos 4 anos quando o meu pai faleceu, depois dessa situação a minha mãe teve que ir viver comigo para umas barracas em Campolide, ai vivi ate aos 6 ou 7 anos, nessa altura devido à construção de uma ponte fomos realojados num bairro social, fomos lá passar o natal de 1994 e lembro-me como se fosse hoje, o ambiente era de violência, muito diferente da pacata barraca de campolide, ainda assim com o tempo fui-me habituando ao novo ambiente e percebendo como viver num local completamente diferente do que eu estava habituado.
Os meus problemas surgiram quando cerca de um ano depois a caminho da escola um vizinho meu do mesmo prédio me pediu 100 escudos, eu na minha inocência dei de bom grado, foi nesse momento que a minha infância/adolescência viria a mudar. Sempre que esse vizinho me encontrava pedia mais dinheiro e eu ia dando já não por inocência mas sim por medo, o valor pedido ia aumentando e eu ia cedendo, chegou mesmo ao ponto de ir tocar à minha porta para lhe dar dinheiro.
Um dia decidi que da próxima lhe ia dizer que não e assim fiz. Foi a partir desse dia que eu desejei nunca ter saído do “conforto” das barracas. A partir desse momento ele começou a perseguir-me. Primeiro esperava que eu chega-se da escola e apanhava-me nas escadas do prédio, batia-me e ameaçava-me a mim e à minha mãe (que era a única pessoa que vivia comigo), um dia inclusive obrigou-me a entrar em minha casa e bateu-me no meu quarto tendo levado algum dinheiro que tinha no mealheiro e levou-me a playstation.
Eu não tinha coragem de contar à minha mãe, ela já tinha tantas preocupações para me criar e trabalhava de sol a sol para me poder por comida na mesa e pagar-me a escola a roupa etc. Ainda assim ela começou a desconfiar porque eu era uma criança que passava todo o dia na rua a brincar e aos poucos comecei a não querer sair de casa.
As ameaças cresciam de tom, uma vez tocaram à campainha e eu fingi que não estava em casa, passado uns minutos ouço a porta a abrir e pessoas a entrar, quando fui ver o que se passava era o meu vizinho que tinha entrado com um grupo de amigos lá para dentro, ele tinha entrado pela janela da cozinha (num 4º andar) e aberto a porta aos amigos, eu com medo fechei-me no quarto enquanto eles comeram e beberam tudo o que tinha em casa, e ainda levaram algumas coisas da minha mãe e ate a televisão.
Foi nesse dia que tive que contar à minha mãe o que se passava, ela coitada pouco ou nada podia fazer, ainda assim com grande coragem disse que me começava a levar à escola, e que quando sai-se ia para casa de uma tia ate ela sair do trabalho, isto funcionou durante alguns meses funcionou mas não poderia ser assim para sempre.
Ela começou a ter problemas no trabalho e deixou de me ir levar e ir buscar à escola, o meu vizinho quando percebeu que eu não andava lá pelo bairro mudou de estratégia e chegou a ir-me esperar à escola e assim me apanhou de novo várias vezes. Num desses dias eu ganhei coragem e dei-lhe um pontapé que o deixou em mau estado, de seguida fugi para casa antes que ele recupera-se.
No dia seguinte quando saí das aulas tinha um grupo de umas 15 pessoas à minha espera para me baterem, foi nesse dia que percebi que pouco podia fazer, foi esse também o último dia que voltei à escola.
Desde esse dia fechei-me em casa, era a única maneira de me sentir seguro, janelas e portas trancadas a ouvir televisão com auscultadores para não fazer o mínimo barulho que se pude-se ouvir no exterior. Ele não desistiu e durante dias tocava à campainha, batia à porta etc, mas como nunca ouvia barulho acabou por desistir, passei assim 6 meses a fingir que não existia. Com o tempo ele deixou de bater à porta e eu fui “desleixando-me” um bocado mais, comecei a ouvir música normalmente etc, ele entretanto percebeu que eu estava em casa e voltou a bater na porta e a tocar à campainha etc mas eu nunca respondia.
Um dia não me lembro porque tive que sair de casa, ia com medo mas convencido que ele tinha-me deixado em paz, erro meu, ele viu-me e voltou-me a apanhar e a bater, bateu-me como nunca o tinha feito com murros e pontapés, fiquei muito mal tratado mas escondi as marcas com que fiquei com a roupa e nunca contei a ninguém.
Desse dia em frente estive cerca de 3 anos sem sair de casa, literalmente sem sair de casa nem um pé fora da porta, deixei a escola, perdi os amigos que perante o meu afastamento também se afastaram, ainda éramos todos crianças de 13 e 14 anos por isso é normal que eles não se questionassem o porque de eu ter desaparecido, ainda por cima nenhum dos meus amigos de escola moravam perto de mim, fiquei assim ainda mais um alvo fácil, sem amigos e só com a minha mãe que pouco podia fazer.
Apenas tinha dois amigos que me visitavam de vez em quando e mesmo esses tinham um código para tocar à campainha para eu saber que eram eles, mas só lá iam quando a minha estava em casa porque o meu vizinho sabia que eles iam ter comigo e quando eu lhes abria a porta ele tentava entrar atrás deles.
Vivi assim em pânico durante 3 anos, o simples tocar da campainha acelerava o meu coração ao ponto de eu o ouvir tal era o medo, quando estava no quarto e ouvia a voz dele escondia-me debaixo das mantas e chorava com um misto de raiva dele e de mim próprio por não ter coragem de lhe fazer frente.
A escola um dia chamou-me a mim e à minha mãe para saber o porque de eu ter desistido da escola, eu não fui como é óbvio mas a minha mãe foi lá explicar o que se passava, a escola apenas disse que se era esse o motivo que percebiam perfeitamente e desejaram-me felicidades.
E foi assim que deixei a escola, graças aquele vizinho fiquei com a 4º classe e sem amigos, passei a fase mais importante do crescimento sem qualquer contacto com pessoas a não ser a minha mãe e alguns familiares que nos visitavam pontualmente.
Nestes 3 anos em que só comia, dormia e jogava computador comecei a engordar, passei de um jovem com peso normalíssimo para uma pessoa com 100 quilos.
As coisas começaram a mudar quando conheci a minha actual namorada, conhecia pela Internet já que de outra maneira era impossível porque não saia de casa. Quando chegou o dia que combinámos o primeiro encontro fiquei em pânico, eu queria ir mas tinha medo de sair de casa e não lhe queria contar o meu problema, ainda assim arrisquei pela primeira vez em 3 anos sair de casa, foi muito estranho ate o Sol me incomodava, cada passo que dava tinha que olhar para trás porque tinha a sensação que alguém me vinha fazer mal, sempre a olhar para todo o lado com medo de tudo, era horrível mas felizmente nesse dia nada aconteceu.
As coisas foram andando e eu comecei a sair mais de casa, no entanto voltei a ter um encontro com o meu vizinho que acabou da mesma maneira das outras, voltei a não querer sair mas desta vez tinha a minha namorada e isso fazia-me tentar arranjar formas de estar com ela, comecei a sair de casa sempre com a minha mãe, comecei no entanto a sentir-me ridículo por só sair com a minha mãe, as pessoas olhavam de lado, notava-se que achavam estranho eu nunca ser visto sem ser com a minha mãe.
Entretanto o namoro com a minha namorada desenvolveu-se e fui viver com ela, o que aos poucos me permitiu voltar a ter uma vida minimamente normal, mas as marcas na minha vida provocadas por toda aquela situação foram muito profundas.
Hoje gosto muito pouco de sair de casa, um rapaz que saia de manhã para a escola e só vinha para casa já bem de noite porque queria ficar a jogar à bola, tornou-se numa pessoa que só quer estar em casa, hoje não me sinto bem na rua.
Hoje não tenho um único amigo de infância, não tenho um amigo daqueles que nos acompanham desde pequeninos a quem podemos contar tudo, daqueles que sabem tudo sobre nós. Hoje apesar de ter retomado os estudos através do RVCC e depois de um curso de dupla certificação não tenho conhecimentos suficientes para entrar para uma universidade, na teoria tenho o 12º ano mas na prática um miúdo do 7º ano sabe bem mais que eu.
Ainda assim o meu grande desgosto é o peso, todas estas situações levaram-me a pesar 164 quilos, agora ate devo ter mais porque já não me peso à uns 2 anos.
Hoje apesar de já não ter ninguém atrás de mim no fundo acho que esta situação me mudou, gosto pouco de sair à rua, gosto pouco de andar, correr etc, estou desempregado e passo os dias à procura de trabalho pela internet já que não tenho dinheiro para andar à procura de outra maneira, hoje não sei fazer quase nada e já estou perto dos 30 anos, as empresas não querem pessoas com excesso de peso e eu entendo perfeitamente isso, no fundo eu ate sei fazer um bocadinho de muitas coisas mas não sou realmente bom em nada.
Tenho medo pelo meu futuro a nível de saúde, eu sei que perder peso é o primeiro passo para mudar a minha vida, eu não quero partir sem me sentir útil e realizado uma vez na vida, a minha passagem por esta vida não pode ter sido só para passar pelo que passei ate hoje, eu sei que isto parece um discurso de vitimização e se calhar ate é mas eu não sei ser diferente, sei que existirão por ai pessoas que certamente terão situações bem piores, mas estou cansado de viver dia após dias de favores numa casa que não é minha e em que me sinto mais um estorvo do que outra coisa qualquer. Estou com 28 anos e a única coisa que tenho minha é este portátil com que estou a escrever este mail e foi porque mo ofereceram.
Um dos meus sonhos era seu pai, mas eu não quero trazer uma vida a este mundo sem condições para isso. Acho que nunca chegarei a se-lo os dias passam, os anos passam e não vejo nada a acontecer, talvez por culpa minha é verdade se calhar devia lamentar-me menos e agir mais, mas sempre que o faço nada muda, acaba sempre na mesma.
Não vos quero pedir nada, nem sei o que vos iria pedir ao certo eu faz-me falta tanta coisa. A minha namorada esta a trabalhar, o meu sogro trabalha das 5 da manhã ate as 23H da noite muitas vezes doente e eu aqui passo os dias todos iguais a complicar ainda mais a vida deles quando devia era estar a ajuda-los.
Só queria mesmo desabafar. Desculpem qualquer coisa e por ocupar o vosso tempo.
Continuem com o fantástico trabalho que fazem, vocês ainda são a parte do dia que me custa menos a passar.
Não imagino Pedro o seu sofrimento de tantos anos. Muito obrigado por ter desabafado. Infelizmente o facto de se ter fechado dentro de si mesmo, sem ter tido a coragem e os meios para pedir ajuda, fizeram com que hoje ainda se sinta como me diz. Continua a precisar de ajuda. Vou guardar a sua mensagem e, se me der licença, passá-la a um técnico de saúde, para ver se há algum jeito de o ajudar. Abraço
Manuel, está muito melhor agora!
A sua mãe era bonita, e manteve-se bonita até idade de hoje.
Também não gosto de casamentos, hoje mais devido às despesas que eles acarretam.
Gosto muito mais de um jantar entre amigos, do que a seca de horas num casamento!
Que bonita e elegante. Parabéns!
Realmente,mas que nerd,sério o que me ri a olhar para a foto.Quanto à sua mammy,tirando o “penico”aquela roupinha ainda hoje faria um verdadeiro “sainete”.Quanto a si,sério….haja coragem para colocar tal foto.Beijo grande mas mesmo muitooooo grande.
Senhor Manuel Luis , gosto da maneira como expô as suas lembraças,são de uma clareza que dá quase para ver o verde do vestido da senhora sua mãe … que grande elegancia …diria mesmo que quem sai aos seus … partilho a sua verdade em relacão as comesanas…e também eu detesto ir a casamentos … mas gosto muito de ver noivas.
beijos
Olhe Manuel Luís a sua Mãe é uma Senhora de charme não desfezendo do Goucha que é lindo e senssual beijinhos
Historias relembradas e um passado bem vivido!!! Amo essa historias literalmente m faz viajar…bjkts
Caro Manuel,
eu sou filho de imigrantes portugueses na Suíça e participei recentemente na emissão “Suíça Tem Talento” com uma música original que relata a minha experiência com um transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Comecei agora com um projeto de caridade para apoiar a pesquisa e as associações investidas neste transtorno mental. Toda a ajuda mediática será apreciada. Quero sensibilizar as pessoas sobre este assunto e também desconstruir o estigma social que há neste assunto.
Para ter mais informações e para ler a minha história, peço de visitar a página http://www.OCDletmego.com
Muito obrigado pelo vosso tempo.
Cordialmente,
Elvis Coimbra Gomes