O “Praça da Alegria” chegou ao fim

Não morreu de “morte macaca”, antes de morte anunciada, que foi quando se deixou anquilosar. Muitos dizem que o golpe fatal foi desferido com a sua mudança para Lisboa, e até que podem ter alguma razão, mas o programa há muito que estava envelhecido, tendo por isso perdido viço e competitividade. Um projecto televisivo diário tem de ter a capacidade de se saber renovar, para assim conseguir ainda surpreender o espectador quando é mais do que sabido que tudo, ou quase, está inventado em televisão. O “Praça da Alegria” acabou após 19 anos de emissões. Só pela sua longevidade merece a nossa atenção, dado ser caso único num país onde tudo se descarta, e particularmente o que é velho.

Aquela foi a minha Praça durante sete anos. Não sou de me demorar no passado, que o caminho faz-se é andando, mas lembro-me do dia em que fui chamado ao gabinete da Luisa Calado, então responsável pelos programas da RTP/Porto, para visionar um programa da manhã italiano, cujo cenário era uma praça onde tudo acontecia, desde os momentos musicais, aos de humor, passando pelas conversas sobre tudo e mais alguma coisa. O que se pretendia era fazer coisa do género e logo na temporada seguinte, que começava dali a uns dois meses, ainda estava eu e a Anabela Mota Ribeiro na condução do seu antecessor “Viva a Manhã”. Sugeri, então, o nome “Praça da Alegria”, por achá-lo sugestivo e conveniente, como que para dar o mote a tudo o que ali poderia acontecer. Há nomes que são já o que podemos ser neles. A ideia não colheu a unanimidade dos que estavam nessa reunião. “Isso é muito lisboeta!” – lembro-me de ter ouvido. Certo é que a Praça da Alegria da capital, a dois passos do Parque Mayer, era noticia bastas vezes, já que na altura era ali a sede da Federação Portuguesa de Futebol, para além do Máxime, do Hot Clube e até de uma esquadra de polícia que volta e meia dava que falar. Porém outrem terá logo atacado o que posso ter entendido como um mal disfarçado complexo de inferioridade: ” Não, também há uma praça com esse nome aqui no Porto”. E assim se chegou ao nome do programa que vingaria por quase uma vintena de anos.

Aquela foi a minha Praça, a da Anabela, a da Sónia, a do Jorge, a do Hélder, a da Tânia, a do João… Foi a Praça da Picolé, do Aleluia, do Guilherme, do Francisco… e de muitos mais que a ela se dedicaram, do lado de cá e de lá das câmaras.

Foi a Praça de quantos se sentaram à conversa, desfiando histórias e rosários, tradições, lengalengas e superstições. Foi a Praça de quantos, em casa, a sentiam sua na alegria, na emoção, no desafio e nos afectos.

Aquela foi a minha mais completa escola de televisão. Ainda hoje, após doze anos da minha saída, cumpro tudo a que então me obriguei, em disciplina, pesquisa e trabalho .Como se cada dia fosse uma estreia. Afinal não somos avaliados, diariamente , através da implacabilidade das audiências? Muitas vezes até de forma abusiva e injusta (se em três horas de emissão se perde a liderança por dez minutos, nem que sejam os do intervalo, é sabido que serão esses míseros minutos a noticia, para gáudio dos “treinadores de bancada”, que os há em barda também neste domínio, e de uns quantos pares).

O ” Praça da Alegria” terá tido muitos méritos, até o de ter estimulado um outro olhar sobre os programas da manhã. Durante anos foi um horário menorizado, era “coisa para velhos e donas de casa”, dizia-se, como se estes fossem cidadãos de segunda. Tornou-se porém num horário apetecível e exigente pela cada vez maior diversidade dos seus públicos. Será necessário lembrar que há momentos em que de manhã estão cerca de setecentas mil pessoas, a seguir apenas um dos programas?. Verdadeiro contentor de temas, nele tudo cabe, do tema social, ao tema médico, da música ao humor, do debate político ao puro disparate… E que bom que é disparatar! Daí que se exija de quem o conduz agilidade, curiosidade, habilidade, empenho… É a verdadeira prova de fogo. Tudo quanto se possa fazer para além deste tipo de formato é, permitam-me a expressão, “peanuts”. Por isso, só ser para alguns.

Dispenso formas amáveis de ser hipócrita, não alinhando no habitual coro de carpideiras que, em havendo óbito, logo se perfila para chorar a desdita. O “Praça da Alegria” acabou. Não há programas eternos. Como não há apresentadores eternos. O futuro é ali e logo se esgota quando se alcança. Por isso guardo o “Praça da Alegria” na memória, que é onde tenho tudo, e procuro com tranquilidade, honrando, reciclando e se possível aprimorando, o que ali aprendi, dilatar a minha validade. Importante é não me achar atrasado. Esse é o (meu) segredo. A minha verdade. Uma entre biliões de verdades. Logo tem a importância que tem. Apenas a que lhe dou!

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14 comentários a “O “Praça da Alegria” chegou ao fim

  1. Berta Veiga

    Este programa teve um AVC no dia da sua saída,depois entrou em coma e agora,morreu.Morte anunciada há 10 anos….muito ainda durou ele!!!

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  2. Maria José Alves

    Boa noite ! após a sua saída para a tvi…a Sónia Araújo fez um excelente trabalho no Programa … ela própria destacou-se imenso…coisa que não conseguiu consigo…

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  3. helder reis

    O tempo é assim. Teia de passado, presente, futuro. O tempo faz nascer, viver e morrer. Ao tempo nos juntamos e a obra que homens sonharam no engenho da criação. Eu fui do tempo da Praça. Fiz-me homem e profissional da comunicação. Outra coisa não sou. Entrei pela tua mão Manuel Luís. O mundo pede-nos atenção. Foste atento a mim, e abriste-me a oportunidade. O tempo fez o resto. A praça da alegria humanizou-se. Viveu o que vive um indivíduo. Terei que morrer. No tecido desta memória fica um programa que se grava na memória de quem gosta de televisão, faz televisão, e tem na televisão a companhia. Ao tempo da praça munta-se o tempo da história. A história nao pára, e para que não pre, outras histórias nascerão. É por isso que gosto tanto do futuro. A praça temo corpo de quem a apresentou, reportou, realizou, gravou, anotou, misturou, produziu, encenou, maquilhou, deu a sua história. É por tudo isto que tanto gostei deste programa, como jeito de gente. Vou ter saudades, não pode haver futuro com passado nao lembrado. Mas gostarei sempremais do que ainda está para vir. A dar sentido a este tempo, a esta Praça, está o espectador. Ele terá sempre a última palavra para tudo o que a televisão nos der. Por isso o meu último aplauso para esta praça vai para que nos acompanhou. Obrigado por tanta alegria, por tanta magia, numa Praça onde todos entraram. Abraço. Hélder Reis

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  4. Aida Ferreira Pinto

    Olá Manuel Luis
    obrigada pelo seu texto.bem escrito como sempre o faz. Realmente acabou a praça da alegria…
    mas podia começar uma grande avenida! colorida,com mais brilo! com temas renovados e inovanos.com cultura,e educaçao mais que actualizada! com alegria sim mas aquela alegria que se expande e se conta a quem não a viveu no momento, e se guarda com um sorriso …copiar formatos não será dificil,dificil será crialos! e nós portugueses somos bons em tudo ou quase tudo…claro que o Manel é uma exceção.mas a alma reclama a cada intante para sermos antenticos! e no mundo de hoje tão aberto a todos os temas faltam aqueles que nos ajudam a crescer como pessoas,capazes dos maiores e melhores desafios.cópias são passado,e pode gerar depressão,e pensar muito no futuro gera ansiedade.
    bom mesmo é viver o hoje aqui e agora.e em televisão tambem podemos fazer mais e melhor. o Manuel Luiz sabe bem que é possivel desde que sejamos autenticos! sinceros connosco mesmo e com os outros.
    contribuir para uma sociedade mais justa,equilibrada,moderna,crindo beleza em tudo e todos….
    termino perguntando:
    quando é que o Manuel Luis nos presenteia com mais um livro? e não estou a falar só de culinaria…
    o Manuel sabe bem esrever o que nos faz ficar agarrados a um livro!seja á janela da vida,seja a ensinar a gostar de ver e sentir a vida acontecer…seja uma complilaçao de tudo que já fez e faz em televisão.etc etc.
    muito mais teria acrescentar mais já me alonguei muito peço desculpa…
    despeço-me com um abraço de abraço
    Aida

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    1. MLG

      Obrigado Aida pela sua amabilidade. Por acaso o próximo livro será de receitas. As cá de casa. Mas vou escrevendo aqui no blogue, o que me dá particular gozo. Um beijo para si.

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  5. Rafaela

    Este programa (quando ainda apresentado pelo MLG) lembra-me a minha falecida avó… ela via todos os dias e mesmo quando adoeceu,a gente sabia que era a alegria dela ver este programa acima de tudo por causa do MLG. Só por isso, obriga Manel.

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  6. Pedro R.

    Discordo com o fim do Praça. Embora a sua decadência tenha começado com a mudança da empresa medidora de audiências, que, administrativamente, em nome de uma melhor medição dos públicos mais apetecíveis para o mercado publicitário – entre os 25 e os 50 anos – tenha secundarizado os espectadores mais velhos, acabando com o daytime da RTP, audiometricamente falando; até ao facto de, para se reduzirem custos, se ter desperdiçado todo o know how de produção da RTP Porto, transferindo o programa para Lisboa, descaracterizando quer a génese do programa, quer o seu conteúdo, sendo a machadada final dada pela saída de João Baião, se bem que acho que a saída de Jorge Gabriel tenha tido um efeito ainda mais perverso no programa. Dos seus últimos tempos, ainda no Porto, consigo-me lembrar de que o Praça era dos poucos programas de serviço público, com público, na RTP. Entretanto, com mudanças que “aligeiraram” demasiado o seu conteúdo, ainda na Invicta, até à mudança para um formato engessado e burocrático, em Lisboa, que nem a personalidade extrovertida da última dupla de apresentadores conseguiu disfarçar, nem havia a necessidade de colocar um fim ao programa porque ele já acabara há algum tempo.
    No entanto, fica o capital de uma marca com quase 20 anos que é um desperdício deitar fora. Há tanto para se puder mudar num formato televisivo, com maior eficácia audiométrica do que o nome de um programa presente na memória de qualquer espectador. Assim, apenas será mais difícil criar algo tremendamente importante em televisão e que é tão árduo conseguir – empatia. O MLG que o diga, que ainda teve a sua travessia no deserto quando se transferiu da RTP para a TVI. As mudanças são arriscadas e num mercado pequeno como o nosso, ainda mais.

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  7. Bruno

    Boa Noite Sr. Manuel,

    Sou um jovem do norte, de Viana do Castelo. Apenas nas férias escolares tenho oportunidade de ver televisão de manhã e, ao longo do ano, vou vendo alguns vídeos do Você na TV no site da TVI…

    Considero o VTV o melhor programa da manhã. Porquê? Porque é o mais dinâmico. Mais irreverente. Mais português. Mentiria se dissesse que o acho perfeito. Não acho… Nada é perfeito e é na imperfeição que tudo tem grandiosidade. Gosto da dupla Cristina & Goucha mas confesso que, a meu ver, por vezes algumas brincadeiras são “exageradas”. São opiniões. Valem o que valem… Isso não invalida que não goste de cada um de vocês, porque gosto e admiro-vos imenso.

    Admiro o facto de conseguirem manter uma postura adequada e totalmente diferente em função do momento e tema que abordam no programa. Gosto do facto de serem genuínos. Ninguém consegue em televisão “criar” um boneco para sempre. A máscara cai mais cedo ou mais tarde.

    Da mesma forma que o Praça da Alegria chegou ao fim, também chegará o Você na TV. Deixará saudades àqueles que acompanharam o programa. E cada um deles deixará a sua marca. A Praça da Alegria porque foi uma escola para alguns dos maiores apresentadores portugueses. O Você na TV porque foi o programa em que mais se arriscou e que nunca, em nenhum momento, estagnou.

    Admiro-o pela sua coragem. Pela sua sinceridade. Por ser quem é. Por não ter medo de arriscar e de dizer aquilo que pensa. Pela sua educação irrepreensível. Pela sua genuinidade.

    Espero um dia ser capaz de ser como o Senhor. Ser simplesmente aquilo que sou. Sem receios das opiniões e julgamentos dos outros que tanto teimam em criticar a indiferença. Em simplesmente ser capaz de ignorar «os “Bernardinos” e “Bernardinas” desta vida».

    Mantenha-se sempre fiel a si mesmo.

    Boa Noite!

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    1. MLG

      Manter-me-ei fiel, disso não tenha dúvidas. E não é que o Você na Tv já vai completar dez anos. Ainda vai durar mais uns quantos. Um abraço

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  8. Elsa Borges

    Manuel luis, tu és único, sigo te desde esse tempo da Praça da Alegria, assim que saíste passei me para a TVI até hoje, tenho a Meo m4o mas só vejo TVI , é esse o meu canal, enquanto tu lá estiveres junto com a Cristina, vocês são uma dupla imbativel. Adoro vos. Muitas felicidades para os fios e continuem sempre assim com a humildade e simplecidade com que nos já habituaram. Beijinhos

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