Na casa da Ópera

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Se me perguntassem qual é o meu maior luxo não hesitaria na resposta: sentar-me, volta e meia, no “Alla Scala” de Milão. Gosto de ópera, de bailado, de música clássica … é a Arte que me leva a viajar. Frequento com alguma regularidade o “Fenice”, de Veneza, a ópera de Viena, a “Garnier” e a da “Bastilha”, em Paris, a ” Royal Opera House” de Londres, a Arena de Verona e até já estive no festival de Salzburgo, mas nada me emociona mais que entrar no “Alla Scala” em Milão, para uma noite de canto. Ali estou como quem se recolhe num santuário, à espera da celebração. É este o meu património, não hipotecável, o que levo de melhor desta vida que tantos artistas tornam maior.

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Cantar no “Alla Scala” é sempre um risco, tal a exigência do público habitual e entendido. Em 1992 Pavarotti foi vaiado, porque falhou numa nota aguda (o tenor acabaria por dar razão a quantos não lhe perdoaram). Não há muito foi Roberto Alagna, conhecido como o “quarto tenor”, quem abandonou o palco do “Alla Scala”, depois de ser vaiado a meio de um espectáculo e teve de ser substituído por um outro tenor que não tinha nem o figurino. Alagna estava representando o papel principal da celebrada produção da “Aída”, de Verdi, montada por Franco Zeffirelli. Minutos depois do início da segunda apresentação do espetáculo, um pequeno sector do público começou a vaiar Alagna, que tinha acabado de cantar uma ária. A vaia aparentemente foi uma retaliação às declarações que o tenor havia proferido sobre as reações do público do “Alla Scala” e de como um espectáculo pode ali virar uma arena de touros.

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Ontem à noite cantou-se “Ana Bolena” e no drama de Felice Romani com inspirada música de Donizetti revi a trágica história da segunda mulher de Henrique VIII, sendo esta a primeira de três obras que o compositor dedicou a rainhas inglesas, do século XVI. A estreia absoluta de “Ana Bolena” deu-se em Milão, no Natal de 1830, ainda que noutra sala de espectáculos. Foi um triunfo para Donizetti e para toda a companhia. O papel de Ana Bolena é dos mais exigentes do repertório italiano da primeira metade do século XIX, por isso não são muitas as sopranos que se sentem preparadas para o interpretar. Maria Callas fê-lo de forma superior em 1957, justo no “Alla Scala”, ou não fosse ela uma ” soprano assolutta”, mas a reposição da ópera em 1982 foi um verdadeiro matadouro. Montserrat Caballe viu-se vaiada e o espectáculo foi impedido de continuar em cena, não sem que a protagonista fosse substituída.

Para a estreia de ontem, a partir de uma produção da Ópera de Bordéus, havia sido avançado o nome de Anna Netrebko, mas esta terá preferido protagonizar “La Traviata”, pelo que o difícil desempenho de “Ana Bolena” foi confiado à soprano russa Hilbla Gerzmava. Se esta colheu os aplausos de quantos lotaram a sala, bem como Piero Petri, outro dos protagonistas, e o coro, o mesmo não podemos dizer do baixo Carlo Colombara, que interpretou a figura de Henrique XVIII, nem do maestro romeno Ion Marin e mesmo da equipa de cenografia e figurinos. No momento dos agradecimentos as vaias quase se sobrepuseram aos aplausos, de tal modo se mostrou desagradado parte do público. Houve quem tivesse considerado o espectáculo como indecoroso, mas segundo pude apurar actualmente em Milão é grande a crítica de certos sectores do público melómano em relação à gestão do teatro “Alla Scala”. “Ali até o silêncio arrisca-se a ser vaiado!”, ouvi dizer a um milanês não concordando com o “fundamentalismo” de um certo público.

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6 comentários a “Na casa da Ópera

  1. Rosa Santos

    Pois isto de ópera não é para todos ,gostar de ouvir é uma coisa entender é outra ….. E monetariamente também não é para todos …..por isso agradeço a sua partilha ,é um jeito de eu saber ,pelo que escreve e conhecer ,vendo as fotos ,muito bom …… Beijinhos

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  2. maria elisabete gavina

    O Manuel Luís, é um homem muito culto, que admiro muitíssimo. Consegue acrescentar sempre mais sabedoria a quem é sedento de conhecimentos, como eu…Leio e releio tudo o que descreve nas suas viagens!
    Queria ainda acrescentar que estava elegantérrimo, como sempre!!!

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  3. Isabel Almeida

    Espectacular., é concerteza maravilhoso assistir a uma opera com tanta exigência. Parabéns e muitas felicidades pela vida que leva ,bem merecida.

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