A latoeira de Tomar

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Há muito que tenho, em casa, uma destas panelas. É para fazer fatias de Tomar, o mais engenhoso dos doces portugueses, porque feito apenas de gemas e açúcar. E isso é quanto basta para chegarmos ao paraíso, e não sou eu a dizê-lo, apesar de estar plenamente de acordo, mas sim José Quitério, sábio dos prazeres da mesa e também ele tomarense. Quem inventou a panela não sei, mas sei que o pai da Otília, mestre Américo Marques, o “Migalhas”,  fazia-as como ninguém. O doce até que pode ser confeccionado num outro qualquer banho-maria, mas não há panela mais eficaz para o efeito. A massa de gemas, amarelinha de tantas que são, e só assim se admite que haja quem chame às fatias… da China, acomodam-se na forma interior e esta encaixa no corpo maior já com água quente dentro. Depois de hermeticamente fechada, a panela é levada ao lume, tendo-se o cuidado de ir repondo o volume de água através do funil que dela faz parte.

Otília aprendeu com o pai a trabalhar a folha de Flandres e ganhou tal gosto pelo ofício, que dele fala com arrebatada paixão, procurando caminhos para a arte que já se teria extinguido não fosse a sua teimosia. Lá vai o tempo em que das mãos inspiradas dos latoeiros da cidade saiam utensílios vários de serventia diária na culinária, na agricultura e na iluminação. Hoje independentemente de cumprir a tradição das coroas do Espírito Santo que encimam os tabuleiros de oferendas, na festa maior que se celebra de quatro em quatro anos, Otília Marques desafia-se na área da bijutaria e idealizando outros préstimos para as peças de outrora. Assim não deixa morrer a arte, da qual é actualmente a única herdeira. Por isso o escrito como que a render-lhe a minha homenagem.

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10 comentários a “A latoeira de Tomar

  1. Luís Miguel Alves

    Boa tarde.

    Estava precisamente a tentar encontrar o contacto da “latoeira” que faz as panelas das fatias em Tomar, quando encontrei o seu blogue. Tenho duas panelas ainda feitas pelo pai dessa senhora, que tive o prazer de conhecer numa feira em Tomar. As fatias conheço desde sempre já que tanto a minha mãe como avós eram naturais dessa cidade. Gostaria de colocar o contacto dessa senhora na minha página, no texto onde falo sobre as fatias, por acaso tem o contacto? Eu apanhei um cartão quando a vi em Tomar, mas sinceramente não sei onde o meti.
    Obrigado.

    Luís Alves

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  2. Ana Paula Jorge

    Sou Tomarense de gema, nasci na Rua da Sinagoga, quase que reconheço as pedras daquela rua que me viu crescer, além da Sinagoga, tem a casa onde nasceu o Lopes Graça, e a “Casa das ratas”, (a não perder quando voltar a Tomar), há cerca de 30 anos vim para a zona de Loures devido à via profissional do meu marido, mas a minha paixão por esta Terra continua, não admira, mas como todas estas belezas conseguem um Lisboeta de residência se encantar é porque se ALGO. Admiro bastante a sua pessoa, principalmente pelo seu gosto pela gastronomia, (outra das minhas grandes paixões) pena tenho de não estar no Masterchef . Quando voltar a Tomar peça para o levarem ao Restaurante a Lúria e ao Chico da Beca, se não conhece não se vai arrepender de os visitar. Não me quero alongar mais, felicidades para o programa.
    Um grande abraço de uma admiradora, Ana Paula Jorge.

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  3. Maria da Luz Castro

    Boa tarde MLG.
    Adorei todos os seus posts sobre Tomar e muito mais haveria a dizer, já que é uma pequena cidade encantadora, rica em História e em arte, mas compreendo que o não possa fazer no âmbito do seu blog. Eu não sou de Tomar mas desloco-me ali com frequência e nunca me canso de percorrer as suas ruelas e descobrir novos pormenores. Tomar é em “micro” o que Portugal é em “macro”. Explico-me: Tomar é uma cidade que há anos tem vindo a ser fustigada pela crise. A pouca indústria existente começou a falir muito antes de 2008. O comércio, outrora próspero, foi o primeiro a ressentir-se e hoje, passamos pela rua da Corredoura e vemos lojas fechadas, vitrines tristes cobertas de jornais ou mesmo entaipadas. A desolação. Noto, no entanto, que as gentes de Tomar fazem um esforço para manter a cidade viva com inúmeras actividades que vão anunciando ao longo do ano, como o Congresso da Sopa, o Festival das Estátuas Vivas, etc.
    Depois a gastronomia. Tomar, cidade do Ribatejo, região com tantas tradições, não tem restaurantes à altura dos seus pergaminhos gastronómicos, excepção feita ao “Chico Elias” onde a D. Céu é maestrina na cozinha.
    Olho para esta cidade, com tanto potencial, e fico triste pelo marasmo, pela inactividade, pelo provincianismo de quem a tem governado. Uma cidade assim, merecia ser tratada com o carinho e cuidado de quem tem ali uma jóia de família e ostentá-la na lapela para gáudio de quem a tem e inveja de quem gostaria de a possuir.

    Cumprimentos,
    MLTC

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    1. Mlg

      Olá Maria da Luz
      Neste blogue falo de tudo o que me toca enquanto cidadão e profissional. Gosto de história e de arte e por isso no âmbito das gravações do Masterchef procurei ir antes do mais da equipa para fazer algumas notas de reportagem para o Você na Tv sobre o trabalho de latoaria e a praça da República. Muito mais haverá a dizer e para mostrar, mas prefiro ter sempre motivos para voltar. Ainda assim usei também o blogue para escrever sobre o mesmo. Quando for para o ar o episódio MasterChef em parte gravado no convento de Cristo, terei outra oportunidade para escrever mais sobre a cidade que tanto me encanta. Um beijo e obrigado pelas suas palavras.

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  4. Daniela Santos

    Bom dia Manel, aproveito este cantinho tão delicioso, para lhe dizer que o admiro imenso, identifico me com essa fantástica assertividade e ao mesmo tempo com o amor que demonstra pelo seu trabalho e par com os seres Vivos!!! Passo a vida falar de si ao meu marido….:) mas ele também gosta muito de si 😉
    Parabéns Manel beijinhos

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