História de um quadro

Serei capaz de explicar porque gosto de pintura? Talvez porque haja uma emoção violenta dentro de mim, e não apenas estética, quando sou tocado por uma obra. É diferente do que quando perante outras disciplinas artísticas. Seja num concerto, numa ópera ou numa peça de teatro a ideia do autor chega-me através de quem a interpreta, indo pelas notas ou pelas palavras. Digamos que há como que um ou mais intermediários entre o criador e o receptor que sou. E a forma como sou atingido pela obra depende do talento e virtuosismo de quem a interpreta. Na pintura, tal como na literatura, não há intermediários. É um diálogo, nunca definitivo, entre o artista e eu próprio. Porque nunca definitivo? Porque nunca acabado. Descobrirei sempre algo novo em cada mirada, que possivelmente me levará a uma nova inquietação ou desafio.

É deixar vir ao de cima o que de oculto tem, ou julgo que tenha, para me revelar. E uma vez mais procurar divisar quem comigo é ali. Talvez deste jeito consiga explicar porque vou sempre ao museu do Prado, apenas para rever as “Meninas” de Velazquez, ou à Vila Borghese, quando em Roma, para me sentar na sala de Caravaggio…

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Há dias entrei no atelier de Carlos Farinha, um pintor da nova geração, lugar sacro onde o artista se cumpre.
E se muitos dos seus quadros me apaixonaram pelas estórias que o artista contava, um houve que me deixou suspenso do que se iria revelar. Um homem curvado pelos anos, ali era, náufrago de si mesmo, olhando o vazio. Fiquei como que paralisado naquele corpo já sem futuro porque se lhe havia apagado o passado, depois do autor me ter dito que a obra se chamava Alzheimer e que quando diz o nome logo as pessoas se afastam e não mais querem saber dela. Quero eu, para contemplar a finitude e mais querer aproveitar a vida enquanto for vida o que tenho dentro de mim.

18 comentários a “História de um quadro

  1. Catarina

    Caro Manuel,

    Pelo que percebo o Manuel é uma pessoa apaixonada pelo Belo tal como eu.
    Por isso, é que estou a ajudar na divulgação de uma pintora da Beira Alta com 82 anos que possui uma capacidade criativa e flexibilidade invulgar. Na minha perspectiva, pinta como poucos portugueses.
    Convido o Manuel Luis a espreitar o seu site (está em construção, não contendo ainda todas as obras): http://www.pinkgall.webnode.pt
    Poderá ver os retratos a óleo de Martin Luther King, Jr., Dalai Lama, João Paulo II, entre outros.
    Fica a sugestão.

    Um beijo para si e para cada um dos seus quatro patas uma caricia com ternura (adoro animais tal como o Manuel).

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  2. Carla Pereira

    Gostar de uma obra de arte e tentar explicá-la lembra-me sempre aquele diálogo do livro “Rosa, minha irmã Rosa”, da Alice Vieira, entre a Mariana e a mãe, depois desta comprar uma garrafa colorida que ficou a decorar a sala:
    “Para que serve isso, mãe?
    Gostas?
    Gosto muito.
    Achas que é bonito?
    Muito… muito bonito.
    Então pronto, é para isso que serve: para ser bonito.”

    Gosto dessa simplicidade, mas também gosto de ser arrebatada por uma obra, como aconteceu com esta. Obrigada pela partilha.

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  3. Célia Ramos

    A única avó que conheci morreu com esta terrivel doença, custa imenso ver assim alguém que tanto amamos, o importante é nós não nos esquecermos dos nossos velhos que padecem desta efermidade, mas infelizmente há por aí muita gente “supostamente sã” mas que sofre de alzheimer!!!

    http://araparigadoautocarro.blogs.sapo.pt/

    P.S. eu encanto-me por MONET, o Musée D’orsay é a minha paragem obrigatória em Paris!

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  4. Maria Emilia Cunha Lopes

    Adorei o seu comentário,chorei,eu sei o k é essa doença,há tavez um mes,faleceu um cunhado k eu estimava mt um homem com uma aparencia e uma inteligencia,cultura e uma forma de conversar fora de serie,não foi bem essa doença mas uma mto parecida,demencia, nã sei bem explicar só sei k se aloja no lobo frontal,k me perdoem se não é bem assim,com 78 anos uma figura linda passou a ser um esqueleto a só dizere fazer disparates sem conhecer ninguém ao ponto de ter k ser preso onde estava pq tb por vezes ficava violento,num ano desapareceu para a sua longa viagem sem regresso.É um caso k pode vir de um antepassado e pode repetir noutro familiar,já tenho um filho a fazer exames pq ficou horrorizado com o k aconteceu ao tio. CONTINUE MANEL a ser como é e desculpe,é mais um desabafo meu,é o unico com quem posso desabafar.ATÉ breve u bjo

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  5. fatima

    Um medo que todo o ser humano tem de enfrentar, um medo que essa doença possa emergir de uma simples pintura só de a olhar, uma tristeza infinita que a todos nós um dia possa calhar.
    Bom dia

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  6. Aida Ferreira Pinto

    Olá Manuel Luiz
    Este quadro é sem dúvida um desafio.
    Porque,é muito rico no contiudo da mensagem. E o seu texto diz isso mesmo.bem escrito,bem sentido,bem partilhado,fala á alma da gente! grita, chama e clama! não dá para fugir dele pelo contrario … como no vazio do silencio,melhor nos ouvimos,como na musica melhor nos conhecemos na pintura tambem nos decobrimos.
    Obrigada
    Peço desculpa pelos erros de Portugues,tenho apenas a intruçao primaria de algumas dezenas de anos…
    mas gosto muito de apreender e partilhar…
    beijinho grande
    Aida

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  7. Luciana eiras

    Continue a ser a pessoa que é..
    Infelizmente sei Bem o que essa doença é, alzheimer , ela torna uma pessoa vazia , sem recordações, sem ações, uma pessoa cheia de tudo passa a não ter nada, torna_sê um corpo vivo com a alma morta…custa muito ver às pessoas perderem a suas capacidades aos poucos , ver a pessoa a tornar-sê outra pessoa que a gente nunca conheceu..dói muito…
    Falo assim pois minha avó e tmbm madrinha com quem vivi desde que vim ao mundo tinha essa doença, infelizmente faleceu à uns dias atrás, e meu maior medo e talvez a maior dor mesmo era ouvir da boca dela, ” eu não sei quem és”, o que nunca aconteceu ainda Bem , apesar da dor que sentia e sinto, não tive a dor pior, sempre me conheceu e me chamou pelo nome..

    Manuel continue a alegrar quem o rodeia, que quem tiver bom coração agradece….

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    1. Isabel Ferreira

      Olá Tuxa ,
      Dói e que dor tamanha essa no passado dia 8 a minha Mãe partiu! um nunca a senti uma sombra, mas sim a minha Mãe que ao longo de 6,7 anos foi perdendo a sua capacidade mental gradualmente, até que no fina ficou a ser o meu bebé grande,
      Tenho como testemunho que mesmo não chamado pelo meu nome sempre soube que eu era sua filha, foi nestes anos uma das minhas batalhas, foi dizendo a minha princesa quem eu era quem chega quando deixou de abrir os olhos, sei que quando partiu sabia que estávamos todos em redor dela !
      Dói cuidar, mas dói muito mais deixar de ter a sua presença junto de nós .
      A dor da perda é muito grande só peço a Deus que a vá diminuindo aos poucos !
      Peço desculpa pelo meu desabafo!
      Ao Manuel Luís Deixo um bem haja pelo grande ser humano que é !

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  8. Ilda Barata

    Não pude deixar de me emocionar com as suas palavras, porque essa doença é isso mesmo. Os doentes de alzheimer vivem no seu mundo e possuem um corpo sem alma. Não compreendem, não ouvem, não falam, não interagem, até surgir uma mão amiga que tenta desesperadamente trazê-los dessa dormência perante a vida! É assim o meu pai…

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  9. Alexandra Temudo

    Boa noite Manuel Luis! Permita-me que o trate assim.
    Fantástico o seu texto assim como fantástica a pintura que tão fielmente retrata as pessoas com quem tenho o gosto de trabalhar!
    Bem haja Manuel Luis por ser o ser humano que é.

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  10. Alice Mendes Faísca

    Temos tendência a afastarmos daquilo que temos medo….
    (Desde pequena que tenho uma admiração pelo homem que é..porquê??? Não sei…mas acho que também não interessa!!! 😉

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  11. Berta Veiga

    é o diagnóstico que todos querem fugir dele!Temi muitas vezes por ele nos diagnósticos da minha mãe.Sei que tem demência e que os sintomas vão lado a lado com essa maldita doença,a única diferença é que nesta,o risco de queda no vazio total é menor…mas também ela assustadora 🙁 .Vive-se cada dia e faz-se sentir a pessoa o mais amada possível.Mas também nos destrói a nós.Também nos mina e cansa.Quantas vezes tenho vontade de fugir,de chorar,de me revoltar por estar sempre presa??Por não ter o direito a ir para a praia um dia inteiro!Desculpe o desabafo.Beijo

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    1. Isabel Ferreira

      Não se revolte Berta, continue a mimar que a sua mãe de uma outra forma também a continua a mimar, a minha partir a 12 dias, e eu logo, logo senti saudades do toque meio e carinho dela para comigo, isso recompensa as ferias mal passadas, as noites mal dormidas, e todos os momentos em que deixamos para trás algo que querias e não pudemos.
      Hoje eu já sinto uma enorme saudade da minha, queria não ter tempo nem para mim, mas isso já tenho!
      Agora também tenho a dor da perda e saudade que vai ser eterna ! bj e coragem, força e Fé .

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