Havana dos suspiros

cb1
Achei-a cariada mas com feitiço, que logo a cidade se me colou à pele e por sete anos repeti as idas, uma após outra. Da Havana de então posso falar talvez como de nenhuma outra cidade, e não acredito que muita coisa tenha entretanto mudado para além do facto de agora serem permitidas algumas actividades privadas, bem como a compra de carros, inacessível contudo para um cubano médio, que do ponto de vista político continuará a ideologia única e quem a ela, manifestamente, se oponha é detido.

O fim do embargo económico, financeiro e comercial imposto pelos Estados Unidos em 1962 parece ainda estar distante apesar do restabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países. Durante décadas “el bloqueo” (como é conhecido em Cuba o embargo) foi justificação para todas as dificuldades sentidas pelos cubanos no seu dia-a-dia, desde um racionamento duro ao nível dos produtos alimentares mais básicos até à falta de produtos de higiene, passando pela penúria dos transportes. Por isso e sobretudo com o colapso da União Soviética e a consequente perda do apoio económico que esta prestava, o turismo começou a ser visto, pelos cubanos, como uma possibilidade de uns dinheiritos extra para acrescentar ao miserável salário.

No primeiro ano que fui a Havana já alguns cubanos, ainda clandestinamente, abriam as suas salas de jantar para oferecer aos turistas a possibilidade de refeições caseiras, sem luxos e grande variedade, mas saborosas e genuínas, no seio de uma família. Eram os “Paladares”, assim baptizados devido a uma novela brasileira que em Cuba fez sucesso, na década de noventa, protagonizada por Regina Duarte. “Paladar” era o nome de uma cadeia de restaurantes que Raquel Accioli, a personagem interpretada pela actriz , conseguiu criar depois de começar a vender sanduíches na praia. Dois anos depois já o governo havia metido a mão no negócio e ao legalizar os “Paladares” passou a cobrar percentagem às famílias que os detinham. Ganharam maior visibilidade e qualidade, mas perderam o sabor do proibido.

Parecia que Havana havia parado no tempo. E aquilo que enfeitiçava o visitante era porém reflexo de uma vida feita de muito pouco, tanta a míngua a todos os níveis. Pior ainda a falta de liberdade, que o mais conseguia-se com algum engenho e muita simpatia. Havia sempre música no ar e risos soltos mesmo que o ” camelo” ( inusitado transporte cubano, que me dizem ter sido retirado de circulação) acabasse por não passar.

Sempre hospedado no Nacional, o mais mítico dos hotéis cubanos, fazia o Malecón, duas vezes ao dia, com as suas casas garridas, mera(s) fachada(s) pintadas para uns quaisquer Jogos da Juventude, que o miolo escancarava-se em miséria e degradação, mas quem me quisesse ver era em “Habana Vieja”, património da Humanidade, com todas as memórias do seu passado espanhol. E nenhum dia terminava sem que no “Floridita” eu bebesse o meu daquiri, esse feliz casamento de diáfano rum e sumo de lima, coroado de gelo picado. No Teatro Garcia de Lorca vi o Ballet Nacional de Cuba com Alicia Alonso no palco já a roçar o patético e longe da “prima ballerina assoluta” que durante décadas soube ser. Aos noventa e três anos ainda dirigia a companhia. Ditadura e arte de mãos dadas ou quando o bailado é usado como um eficaz instrumento de propaganda. No Tropicana, o mais carismático dos cabarés, sob um tecto de estrelas, deixei-me levar pelos ritmos do Caribe.

Havana de “amores” vadios e interesseiros. Se já havia sido o bordel de luxo dos americanos antes da revolução, com o maná dos turistas a prostituição reinstalou-se e em muitos casos como meio de sobrevivência.

Que mudou em Havana? – pergunto eu, com ganas de voltar à cidade dos assombros e das contradições.
cb2

cb3

cb4

cb4

cb6

cb7

cb8

cb9

cb10

cb11

cb12

cb13

cb14

cb15

foto16

foto17

foto18

foto19

foto20

foto21

7 comentários a “Havana dos suspiros

  1. Julieta Nunes de Figueiredo

    Sem dúvida, a Cuba da minha Lua-de-mel, a Cuba que me atraiu, me seduziu e não me desiludiu. Tivesse também a possibilidade de lá ter ido muitas mais vezes e também teria ido, sobretudo a Habana – há tanto para conhecer… Não fui ao “Floridita”, mas fui à “Bodeguita del Médio”; também não fui ao teatro – talvez numa próxima viagem…
    De resto, em Habana, andei pelos lugares que refere e muitos outros – “Habana vieja” também me fascinou e, em especial, a rua em frente ao palácio do governador, pavimentada com madeira para que o barulho dos cascos dos cavalos não incomodassem a esposa do governador. Habana, uma cidade fascinante, mas lamentavelmente muito degradada – quando a imagino em todo o seu esplendor, acho que devia ser a cidade mais bela do mundo!. Mas Cuba é também um conjunto de outros lugares que tive o privilégio de visitar- Trinidad, Cienfuegos (aqui vi, repleta de gente, num dia de semana, a primeira igreja com vários ecrãs LCD, para que todas as pessoas conseguissem visualizar a missa), Santa Clara e, claro, Varadero. Quando se fala de Cuba, fala-se da gente cubana, da sua hospitalidade, da sua simpatia, da sua dignidade (vivem miseravelmente, segundo a nossa visão, mas parecem ser felizes e não lhes ouvimos um queixume…), da sua sabedoria… Talvez devido ao clima, os cubanos sabem viver com tão pouco… Cuba faz-nos viajar no tempo, para um tempo mágico! As imagens que publica são também muitas das que guardo na memória…

    Responder
  2. Mariete

    Adorei o texto e as fotos…por momentos senti-me a calcurrear aquelas ruas e ver os rotos do povo cubano…por momentos vagueei por uma capital que há muito sonho em conhecer! Obrigada!

    Responder
  3. Ana Maria Gomes

    Também la estive este verão e vi que o povo e bastante fustigado pela miséria e pela falta de bens essenciais, principalmente de higiene e alimentação, já para não falar do que eles não podem falar! Ditadura Cubana
    Bonitas fotos!
    Ana Maria Gomes

    Responder
  4. Berta Veiga

    Curioso que aos ver as fotos que acabou de partilhar ,acho que Havana nada tem a ver consigo! e vendo a pobreza expressa em cada parede e cada rua,nem sequer o consigo imaginar sentado no mítico cabaret ver e ouvir os “sons do Caríbe”.Associo-o sempre ao glamour de Londres e de Paris que se percebe as vezes que visita estes dois países,agora este???é estranho,mesmo estranho.

    Responder
  5. Raquel Silva

    Gostei de ler o artigo, como sempre muito bem descrito que nos leva até lá.
    Fiquei com a sensação que é um povo com muitas faltas mas continúa alegre
    e aproveitar o seu dia a dia, retirando tudo o que ele tem de melhor, é um povo
    muito genuíno e simpático, com o seu encanto.
    Obrigada por este seu testemunho.

    Responder
  6. Guilhermina Ramos

    Obrigada por mais uma vez nos deliciar com imagens e descrições de paraísos onde não tenho possibilidade de ir
    Gosto muito do Manel parabens pelo vosso livro está muito bom só tenho pena de não estar autografado
    Beijinhos
    Guilhermina

    Responder

Responder a Ana Maria Gomes Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *