Entre touros e pintadas

fotografia1

Gosto de Santarém pelo seu património, por isso agradou-me que a prova de equipas fosse ali no Convento de S. Francisco, belo exemplar do gótico mendicante, do século XIII, em boa hora recuperado para os da cidade e seus visitantes, depois de ter estado cinquenta anos votado ao esquecimento e à ruina.

fotografia2

fotografia3

Gosto destes locais onde antes se viveram momentos únicos de eternidade e transcendência. Onde os gestos falavam do silêncio e da quietude. Onde as vidas eram de Deus nesta Terra que é dos homens. Que o Masterchef de hoje também tenha servido para divulgar que, como este, muitos outros motivos de interesse há para se quede por estas paragens.

fotografia4

fotografia5

fotografia_mercado

Logo ali a dois passos o Mercado Municipal, inaugurado em 1930 e construído segundo projecto de Cassiano Branco, surpreende-nos pela decoração azulejar do seu exterior e pela harmonia do quanto lá vai dentro entre bancas, lojas e arcadas. Pena é que esteja às moscas, que lá vai tempo em que era vibrante o seu mercadejo. E a morte será mais que certa, a não ser que se invista num projecto vigoroso e reabilitante que chame ao mercado outro público e ao mesmo tempo dinamize toda a oferta. Veja-se como exemplo a seguir o que foi feito no Mercado de Campo de Ourique, em Lisboa.

Enquanto dois dos concorrentes, um por equipa, compravam ali a amêndoa necessária para a feitura do doce, os outros elementos afadigavam-se na confecção de um prato usando obrigatoriamente como proteína o touro bravo. Esse era o desafio maior, dar bom uso culinário a uma carne de bravo, mais escura e de sabor mais intenso. Era inevitável que ficasse rija dada a peça e o acomodamento escolhidos. É que tanto uma equipa como a outra decidiram-se pela sopa feito com o rabo, quando poderiam ter optado por um naco de maior nobreza, para grelhar, assar ou até estufar, e neste caso as duas horas de prova, eram mais que suficientes para garantir a sua maciez. Apesar de temer por um pudim, que alguém abusivamente resolveu de chamar “à Abade de Priscos”, acabaram por ser as sobremesas a salvar a honra do convento.

fotografia6

fotografia7

À mesa, os confrades da Confraria da Gastronomia do Ribatejo, gente de boa vontade, amiga e defensora das tradições, lá foram dizendo de sua justiça sobre o sabor e preparação das receitas apresentadas. Mas, pelos vistos, seriamos nós jurados a desempatar, que aquilo foram tantos os votos para um lado como para o o outro. Devo dizer-vos que é cómodo quando são outros a decidir, por isso apreciamos estes desafios no exterior que é quando outros se amesendam, provam e põem-se a votar.

fotografia8

Já na cozinha do Masterchef, que a ela se volta sempre para a prova de eliminação era outra a carne a trabalhar. De pintada ou fraca, mas ainda conhecida por galinha do mato, que em África é no mato que abunda. A receita era do Chef Miguel Rocha Vieira, delicada, saborosa e inspirada, fazendo uso de outros ingredientes que muitos desconhecerão como o tupinambo. Vem o nome do francês “topinambour”, pelo qual os chefs o conhecem, se bem que o tubérculo seja originário das Américas. Resta saber se do Brasil, da tribo dos Tupinambás, se do México, da tribo dos Tupinambus. Na Europa foi mal amado, por um ror de tempo, até que Parmentier, farmacêutico, militar e agrónomo, terá chamado a atenção para a sua importância. Realmente, é um óptimo substituto da batata, ideal mesmo para doentes celíacos, dado não conter glúten. É rico em vitaminas e minerais, principalmente em ferro, potássio e fósforo, e pouco calórico (apenas 45 calorias por cada cem gramas).

Um vez pelado, pode ser cozinhado como a batata (cozido, frito ou em puré). O seu sabor, depois de cozinhado, faz-me lembrar o da alcachofra.

Da próxima que o vir na banca de um supermercado não o rejeite, aventure-se antes a descobrir os seus préstimos na cozinha.

Um programa como o Masterchef serve também para fazer este tipo de pedagogia. Por via da globalização, temos hoje ao nosso dispor todo um sortimento de produtos que muitas vezes não usamos por desconhecimento e falta de informação.

fotografia9

Nem de propósito, na próxima semana a caixa mistério esconderá vários produtos, que lhe vão causar alguma estranheza, mas que vai valer a pena conhecer.

fotografia10

E foi-se a Vera. Tradutora e escritora. Tem 33 anos e é de Sesimbra. Diz que cozinhar é um acto de grande responsabilidade. Na cozinha de preparação apresentou-nos um delicioso tempeh (alimento fermentado a partir de sementes de soja branca) com tâmaras e aveia, esmagada de beringela assada no forno e salada quente de couve brócolos e assumiu-se como uma boa concorrente com uma perspectiva diferente do que deve ser uma alimentação saudável baseada quase exclusivamente em produtos de origem vegetal. A prova da pintada ser-lhe-ia fatal, como qualquer outra em que a obrigasse a sair da sua culinária de conforto. Que a sua verdade culinária não a impeça de arriscar e testar outros sabores e experiências. Fica-nos o seu sorriso infantil e a sua simpatia. Já me esqueci da mistela que nos serviu na semana passada: cogumelos com chocolate derretido, como se um molho de chocolate a isso se resumisse (há que fazer um “fundo” e tanto melhor se de carne).

Felicidades Vera.

O brinde técnico:

fotografia11

É um ritual, repetido em muitas produções televisivas. O mesmo acontece, por exemplo, aos domingos antes de se começar cada programa de “A tua cara não me é estranha”. Todos (ou quase) os que fazem o programa erguem o seu copo brindando “às gajas” e entenda-se isto como“ a elas, as câmaras” que vão manipular. É um momento divertido, de cumplicidade e camaradagem e até eu me vejo de copo em riste, gritando pelas… “câmaras” (só pode!) e molhando os lábios numa cachaça que não faz de todo o meu género de bebida.

Na próxima semana:

fotografia12

Entre a ficção e a realidade se desenrolará a prova de equipas. A aventura Masterchef ainda vai no adro. Até lá!

 

2 comentários a “Entre touros e pintadas

  1. Lucília Diogo

    Gouchinha do meu coração, dá-me o teu casaco vermelho! Agora a sério, desejo-lhe o maior sucesso neste programa que é o meu preferido, sigo a maior parte dos outros países e vocês não ficam nada atrás! Parabéns e uma beijoca.

    Responder
  2. Isabel Maria

    Gostei muito do programa de hoje.
    Santarém é inspiradora.
    O Manuel Luís esteve, como sempre, muitíssimo bem.
    Sabe criticar e tem a dose certa de compreensão.
    Boa noite e até amanhã.

    Responder

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *