Aquivos por Autor: admin

Na Quinta das Lágrimas

É o hotel que sempre escolho quando me fico por Coimbra. Tem história antiga que nos leva aos trágicos amores de Pedro e Inês, já que se diz que seria nas matas da Quinta, então coutadas de caça da Família Real, que se encontravam em segredo. Inês residia no Paço do Convento de Santa-Clara-a-Velha ali a não mais de quinhentos metros. Mas se os amores proibidos de Pedro e Inês marcam para sempre o imaginário popular ligado ao local, a ponto de se dizer que eram as águas que brotam da Fonte dos Amores que levavam as cartas de Pedro, postas em barquinhos de madeira, até às mãos da sua amada, certo é que de muitas outras memórias se faz a sua história. Arthur Wellesley, o duque de Wellington, figura essencial no combate às tropas de Napoleão, por aqui passou tendo-se também ele encantado pela Quinta e toda a sua envolvência. Do Palácio construído no século XVIII e pertença desde então da família dos actuais proprietários apenas existe a parte de trás, em virtude de um incêndio ocorrido em 1879 e que levou a grandes obras de reconstrução. Muito mais tarde, quando a Casa passa a Hotel, houve que ampliar o Palácio através de uma obra de arquitectura de autor,tendo sido escolhido para o efeito o celebrado Gonçalo Cyrne. Ao Palácio junta-se assim um outro edifício em linhas depuradas e em perfeita harmonia com todo o espaço exterior onde o verde e a água são elementos primordiais. A ligar os dois módulos, digamos assim, uma galeria, como que um corredor do tempo, onde, novamente, são Pedro e Inês a guiar-nos através das mais diversas obras de arte.

Fico-me sempre por uma questão de gosto por uma das suítes do Palácio que é como ficar em casa, entre a biblioteca, impressionante, a obrigar-me à pesquisa e leitura por uns bons pares de horas em véspera de Natal, e os salões, se bem que em termos de comodidade e elegância qualquer uma das ofertas do edifício moderno não seja de desprezar. O restaurante apresenta uma cozinha de autor inspirada e sensata, nota maior para uma barriga de leitão a apresentar-se estaladiça de babar, com chips perfumadas de paprika, e uma tarte tatin deliciosa, não digo porém que seja melhor que a de cá de casa só porque a que o Rui faz é mesmo de mestre, isto para referir apenas duas das sugestões provadas e que a carta exibe. Pode em tudo contar com um atendimento acolhedor e profissional.

O mais é passear pelo muito que a Quinta oferece entre luxuriosos jardins e a mata e ir à descoberta da cidade de doutores e futricas, a começar pelo lado de cá, onde nos encontramos, com o Convento de Santa-Clara-a-Velha, verdadeira jóia do gótico português do século XIII, onde Isabel de Aragão se recolheu quando enviuvou de Dinis, único rei de seu nome, sem esquecer que no cimo da colina outro Convento fica, o de Santa-Clara-a-Nova, onde a Rainha Santa repousa e de onde sai a sua imagem, em anos pares para em festa visitar a lado de lá, onde muitos outros monumentos se concentram, da Baixa, como a Igreja de Santa Cruz, de São Tiago, do Carmo…à Alta, como a Sé Nova, a vetusta Universidade, berço de sabedoria, o Museu Machado de Castro…Com ganas fiquei de voltar em breve para passear com tempo pela cidade e também pelas memórias da minha infância.

www.quintadaslagrimas.pt

 

Um presépio

Este pequeno presépio que hoje me chegou às mãos tem história que merece ser contada. É feito de minúcia, talento e sobretudo amor, amor de uma mãe, Adelaide de seu nome, por Daniel, seu filho, a bem dizer a chegar aos vinte de idade. O pai chama-se Manuel e também ele tudo faz para que Daniel possa realizar o seu sonho, o de ser músico. É claro que ainda está na fase de formação, se bem que para um artista esta nunca esteja acabada. Começou, como tantos outros jovens numa Banda Filarmónica, a de Penalva do Castelo, sede do concelho a que pertence a aldeia onde a família vive, Ínsua, passando depois a frequentar o Conservatório de Música de Viseu. Os pais, a trabalharem, então, em Mangualde, levavam-no todos os dias à cidade de Viriato, para que ele frequentasse as aulas e depois retornasse a casa. Feito o 12 ano, Daniel fez audições para poder continuar os estudos de trompete, o seu instrumento de eleição, e entrou na Escola Superior de Música em Lisboa. Vive agora na cidade maior, num quarto alugado, a trezentos quilómetros do aconchego dos seus. O trompete continua a ser o que pertence à Banda Filarmónica onde descobriu que a música é a sua paixão. É que o instrumento é caro, na ordem dos milhares de euros e os pais, tanto um como outro, ganham o salário mínimo, nada, porém, que os demova de estimular o sonho do filho. O pai Manel faz licores e vende também as framboesas que cultiva. A Adelaide faz doces, pães com frutos, tudo o que possa ajudar, e foi o próprio Daniel quem durante o Verão tudo vendeu na feira semanal da vila. Na das maçãs que se faz em Esmolfe chegaram a montar um estaminé e neste Natal Adelaide teve a ideia de fazer estes pequenos presépios que se prendem ao frigorifico, para assim conseguirem mais uns dinheiritos. O esforço é enorme para que o filho possa prosseguir os estudos. Daniel sabe-o, preocupa-se por tal empenho e dedicação, mas quem o conhece, como jovem de muito talento e de valores, sabe que os vai honrar e chegar longe. Eu, tenho a certeza que o trompete, a que possa chamar de seu, vai chegar mais depressa do que ele pensa. É Natal! E eu gosto de quem sabe que o Belo é o caminho!

A minha noite de Natal

Tinha mais de 80 anos e passava connosco a noite de Natal, fosse onde fosse. Gostava particularmente que fosse em Paris. Lembro uma em que vimos um belíssimo espectáculo de tango num teatro perto dos Campos Elísios e depois ceámos num restaurante daqueles cheios de “frescuras”, que a noite merece tudo do melhor, e em chegando ao Hotel ainda tinha uma prenda nossa no quarto que a deixou felicíssima. Logo esqueceu o facto de ter sido assaltada naquela tarde numa perfumaria da cidade. Levaram-lhe o dinheiro com grande maestria mas deixaram-lhe na carteira a fotografia do pai dos filhos. Foi aí que fiquei a saber que o homem “odiado” toda uma vida, após a separação, afinal continuava a andar com ela para toda a parte. Realmente o coração tem razões que a razão desconhece!. Desistiu de o fazer depois de uma noite de Natal, curiosamente também em Paris, quando se viu a descer, a penantes, todos os Campos Eliseos após o espectáculo do “Lido”, dado que aquela hora não havia táxis livres e “ubers” ainda nem miragem eram. Foi peremptória: “Já não tenho a vossa pedalada. Para mim acabaram as noites de Natal, fora de casa!”. A partir de então seria com o outro filho, nora e netos, o hábito de passar a consoada, enquanto eu e o Rui andamos pelo mundo que gostamos, se há dois anos foi em Viena, no ano passado estávamos em Vevey. Ainda cedeu aos noventa, quando conseguimos que vivesse connosco toda uma semana natalícia na Madeira, que por cá é onde os festejos ganham uma dimensão diferente e única, com as missas do parto a começarem nove dias antes da noite da consoada, uma por cada mês de gestação, e animação diária ao longo de toda a avenida central.
Este ano decidiu, irredutível, que nem à casa do outro filho queria ir. Tem 96 anos e não queria confusões, regressar à sua casa depois das duas da matina, nem pensar. “A D. Alice (a senhora que a acompanha em metade do dia) prontificou-se a ficar comigo e não se fala mais nisso. Quem manda na minha vida sou eu!”. Assim fala a senhora minha mãe e podiam ser minhas as palavras (quem sai aos seus!).

Foi então que decidimos surpreendê-la. Não fazia sentido fazer com que a Maria deixasse por um dia o aconchego da sua família no Porto para vir fazer o programa de 23 de Dezembro, já que o do dia seguinte estava gravado, por isso fiz a minha habitual semana de férias de Natal, antecipando o regresso de modo a estar no programa de 23 em directo e seguir logo para Coimbra, uma vez que congeminámos surpreendê-la, jantando com ela neste Natal. Ficámos no hotel onde nos hospedamos sempre que vimos a esta cidade, o da “Quinta das Lágrimas” (belíssimo, a merecer escrito à parte) e nele nos mantivemos toda a véspera de Natal até à hora do jantar. Bem me apetecia passear na cidade, ir à Livraria Almedina, comer uma pata de veado na “Brasileira”, para ver se ainda têm o gosto da minha infância, beber um café no “Santa Cruz”… mas podia correr o risco de alguém, que me visse e conhecesse a minha mãe, denunciar a minha presença, telefonando-lhe. A ideia era surpreendê-la mesmo, que nem renas a entrar-lhe casa adentro, com jantar, comes e bebes, tudo encomendado no hotel. Em Lisboa, comprámos pratos, copos, talheres, toalha … que mesmo de improviso e para quatro gatos-pingados a mesa tinha de ser de festa. Festa do afecto, do amor. Liguei-lhe à tarde, estava feliz com os netos e bisnetos que a haviam ido visitar antes de se juntarem na casa do meu irmão, e lá lhe fui dizendo estar em Monforte para a despitar, o que achou perfeitamente normal.

À hora combinada com os cúmplices (o meu irmão e a D. Alice) lá fomos. Estava a rezar o terço, que, não sei se é por ter a idade que tem, agora não passa sem o fazer e à noitinha corre a beijocar todos os santinhos da sua devoção. Só lhe conhecia a Sãozinha da Abrigada, porque sempre a vi numa pagela metida entre os livros que lia ao deitar, mas agora também a rainha Santa, o santo António e até o Papa João Paulo, II do seu nome, todos levam o seu ósculo repenicado. Se estes valerem por cunhas está garantido o seu lugar nos céus. Ao ver-nos ficou “abananada”, longe que estava de nos imaginar ali, quis acabar o terço e deve ter pensado para com as contas do seu rosário: “lá vieram estes estragar-me os planos!”. Só quem não a conheça, logo ela que detesta surpresas, ou seja perder o controlo da situação. Como a compreendo! Logo se rendeu, digerindo a ideia que teria sossego só quando saíssemos para a Missa do Galo. Começámos a janta com uma salada de polvo e batata doce, seguiu-se um lombo de bacalhau confitado com couve pak-choi e raviolis recheados de anchova e depois as gulodices da ordem, fritos da quadra, arroz doce branco, como se usa fazer nesta Beira, pão-de-ló de Margaride… tudo acompanhado a vinho tinto e champanhe. “Champanhe não gosto (atirou tão seco quanto a bebida) só mesmo para molhar os lábios, gosto é de “Licor Beirão” para logo atacar o seu copito. Gostos! O Rui, que a sabe levar como ninguém, também bebeu para lhe fazer companhia. O que rimos! Brindámos ao Natal e sei que a deixámos feliz com tamanha surpresa. Dali fomos para a Sé Nova toda ela luzente de tanto barroco assistir à celebração litúrgica do nascimento do Menino. Gostei particularmente da homília do Bispo de Coimbra sobre a importância do presépio para crentes (como o Rui), e não crentes (como eu). Há muito que sei o caminho que escolhi, o dos valores dos quais não abdico.

Manhã cedo ligou-me, como sempre faz querendo ser a primeira, para me dar os parabéns! E lá foi dizendo: “ainda tenho o coração a bater muito com a surpresa de ontem. Isto não se faz! Já tenho 96 anos!”. Pois mãe, que o teu coração continue a bater forte ainda uns aninhos, para que eu te possa continuar a surpreender. E foi assim a minha noite de Natal.

 

 

Um almoço entre amigos

E ao terceiro dia finalmente juntámo-nos num almoço daqueles onde se celebra a amizade: nós, a família Caetano e Vasco Lopes, o veterinário dos nossos cavalos. O Salão Internacional do Cavalo trouxe-nos a Frankfurt para apoiar a única portuguesa em competição, Maria Moura Caetano. O nível é elevadíssimo e a nossa Maria ficou entre os melhores. Hoje é dia de a vermos no Grand Prix kur ao lado dos maiores nomes da dressage, como Isabell Verth e Dorothee Schneider. Aproveitei estes dias para passear numa cidade que desconhecia e me agradou, sabia-a palco do maior evento mundial do mercado editorial, a célebre Feira  internacional do Livro, que anualmente se realiza em Outubro (José Saramago estava na Feira quando soube do seu Nobel, ao oitavo dia desse mês de 1998) e pouco mais, por isso foi bom descobri-la no melhor da sua oferta cultural, museus e ópera (gloriosa noite com “Don Carlo”, de Verdi, numa grandiosa produção), no mais antigo do seu património e no mais contemporâneo da sua arquitectura. Vista do alto a cidade mostra-se harmoniosa, casando duas realidades arquitectónicas tão díspares, pude observá-la e captá-la enquanto almoçávamos a 39 andares de altura, na banda de lá do rio. “Franzisca”, assim se chama o restaurante que vivamente aconselho, permite-nos uma visão global, de 360 graus, da cidade, ao mesmo tempo que nos sugere uma cozinha alemã inspirada nas receitas de uma tia-avó (daí o nome) de Christian Mook, fundador do grupo de restauração, com talento e apurado equilíbrio estético. Haviam-nos dito que era dos melhores restaurantes de Frankfurt, pela vista (confirmo) e pela cozinha (não duvido, apenas a qualidade do serviço destoa … ou talvez não, dado que não encontrei em restaurante algum a gentileza que encontramos em qualquer um dos nossos) mas não seria essa a nossa primeira escolha, que os há estrelados a merecer atenção, mas, coisa estranha comecei por pensar, fechados ao sábado para almoço. É que alguns ficam em hotéis como o “Sévres”, por exemplo, assim chamado pelas porcelanas de Sévres (França) que decoram todas as paredes, e, conforme me explicaram, se ao almoço de sábado habitualmente os hóspedes dos hotéis optam por sugestões mais descontraídas e rápidas, fora da unidade, por outro não é dia de se fazerem negócios à mesa, sendo que ao domingo é diferente pelas reuniões em família. Faz sentido, sim senhor e em boa hora se optou pelo “Franzisca”. Também em Portugal há muito que deixámos de olhar para os restaurantes dos hotéis (dos melhores, claro) com desconfiança, como se praticassem uma cozinha desinspirada, e algum pudor, como se apenas estivessem reservados a quem neles se hospedasse. Em Lisboa, Porto e muitas outras cidades encontramos unidades hoteleiras onde um almoço ou jantar acaba por se revelar experiência gastronómica de gabarito. Só em Lisboa, para vos dar um ou dois exemplos, sou fã do restaurante do hotel Ritz, e dos restaurantes do Hotel Tivoli (se bem que no “Cervejaria” coma sempre o mesmo, já que o seu tártaro é de babar!).

Dali mesmo só para o Mercado de Natal, hoje sem chuva, apinhado de gente. Portugueses encontrei pelo menos uma dúzia, simpáticos, sorridentes, beijoca para aqui, abraço para acolá, vieram ter com a família (filhos a trabalhar por cá), todos agarrados ao vinho quente cheiroso de especiarias, e eu também… que a vinhaça até pode nem ser de grande qualidade mas faz parte da quadra. E aquece… se bem que já ia de alma aquecida pela conversa, pelas gargalhadas num almoço entre amigos. Os meus amigos.

 

www.mook-group.de

Flanando pela cidade

Não haveria de ser a irritante chuva a estragar os planos traçados para o segundo dia. Felizmente que o hotel é central e permite-me andar a pé na descoberta do que me interessa, desculpe-se é o atabalhoamento das fotos captadas no exterior. A três minutos, não mais, tenho a casa onde Goethe, célebre escritor alemão, nasceu e passou infância e adolescência, rés do chão e três andares de muitas histórias e vivências. Gosto de casas que muito têm para contar de quem nelas viveu, por isso, seja onde fôr, procuro-as conhecer (o nosso país também as tem e a indicação de algumas encontrará neste blogue).

Mais adiante a Praça Rommer, centro histórico de Frankfurt, este mês ocupada pelo Mercado de Natal, dizem que dos melhores da Alemanha e até acredito pelo que vi. A praça é pequena para tanto carrossel e casinhas em madeira onde tudo se vende, especialmente gulodices, como bolachas de gengibre, até os canitos têm as suas, e bebidas que confortam, como vinho quente com especiarias, por isso as ruas adjacentes igualmente se vestem de cores natalícias, estuando os mais deliciosos olores.

Na Catedral gótica de São Leonardo me aquieto e na igreja de São Paulo lembro como a cidade, bem como muitas outras da Alemanha, foi arrasada pelos forças aliadas em 1944. O perfil da cidade que não esperava me agradasse tanto, sobretudo o que nos é dado ver a partir da outra margem do rio Meno, acaba por casar de forma agradável o antigo, recuperado ou reconstruído, com o que a arquitectura moderna acrescentou.

O dia vai terminar na Casa da Ópera para assistir a “Don Carlo”, das obras de Verdi que mais aprecio. A última vez que a ela assisti foi na Ópera da Bastilha, e muito me impressionou. Repito sempre como se fora a primeira vez, outros que são os solistas e demais elenco, diferentes que são figurinos, cenografia, encenação e condução. Serão três horas e meia de encantamento, tenho a certeza.

Natal 2019: Dia primeiro

Não fosse o Salão Internacional do Cavalo e por certo Frankfurt continuaria para mim, ainda que sabendo-a cidade da Finança e sede do Banco Central Europeu, como um mero local de trânsito entre dois voos, apenas conhecendo o seu aeroporto o que convenhamos é coisa nenhuma. Ainda pensámos ir a Londres, que esta semana também ali terá lugar competição equestre de gabarito mas a nossa Maria Moura Caetano é aqui que compete com o Coroado e por isso não havia que hesitar. Se bem o conheço é no recinto da competição que o Rui passará os próximos dias e talvez uma ou outra noite já que as provas de dressage e salto prolongam-se até tarde, também eu não irei faltar à prova de “free style”, a que chegam só os mais pontuados, tenho que a mais bela e delicada das exibições, que é quando cavalo e cavaleiro desenham na “carriére” toda uma coreografia, ao som de música escolhida livremente, sem esquecer as figuras obrigatórias da disciplina, mas nos entretantos quero então conhecer a cidade na sua vertente cultural.

Reservei o primeiro dia para dois dos mais importantes museus da cidade, acabando, no regresso ao hotel, por entrar num terceiro este dedicado ao cinema alemão, e onde muito me diverti, de tal modo se alinham junto à margem do rio Main (acho que Meno em português). Gosto destas cidades onde a oferta museológica que mais me interessa se concentra digamos que num único bairro, assim é também em Viena, cidade do meu contentamento por isso, pela ópera e muito mais. Comecei pelo Stadel, um dos mais conceituados museus de artes (essencialmente de pintura) de toda Alemanha, e percebe-se porquê ao deambularmos pela suas inúmeras salas onde se exibem obras ímpares representativas dos mais diversos movimentos, do Renascimento (Botticelli,…) ao Barroco (Vermeer,…), do Romântico (Delacroix,…) ao Impressionismo (Monet, Renoir…).

Há uma mostra de obras de Van Gogh que não vi, por recentemente ter estado no seu museu de Amesterdão, mas a valer a pena, tenho a certeza.
Almocei no restaurante do museu, uma salada de quinoa com peito de frango, acompanhada de um copo de vinho tinto e recusei o pão e a manteiga, gulosas que são, e ainda a sobremesa, por perceber ao pesar-me esta manhã que estou com cinco quilitos (o diminuitivo aqui é para amenizar)a mais.

A dois passos fica o Liebieghaus, um impressionante museu de escultura, pelo espaço em si, uma bela casa do século XIX, mas sobretudo pelo seu acerco englobando várias colecções, da Antiguidade aos nossos dias. Um dia nunca dá para ver tudo com “olhos de ver”, há obras que exigem que o meu olhar se aquiete por longuíssimos minutos, como se nada mais existisse, por isso optei por me demorar no que logo considerei ser único e irrepetível, a maior colecção mundial de peças em marfim, de várias épocas, países e artistas. Tudo se deve a Reiner Winkler que ao longo da sua vida coleccionou estas peças que deslumbram pela delicadeza e detalhe estético, tendo-as doado em finais do século passado.

Amanhã será dia de ver a Casa de Goethe, a Catedral, perder-me no Mercado de Natal, que a quadra o exige, atestanto se o que dizem de ser dos melhores da Germânia sempre é verdade e acabarei na Ópera para ver uma das obras de Verdi que mais aprecio:”Don Carlo”. E o Rui nos cavalos!

Tem bilhete para a ópera, partilhamos da mesma paixão, mas isto é se um jantar de grã-finos ligados ao mundo equestre, para o qual foi convidado, não levar a melhor.

Mais ideias do meu (para o seu) Natal

Gosto de decorar a mesa sempre que recebo amigos. Sempre diferente, consoante seja almoço ou jantar, fora ou entre paredes, e até mesmo de acordo com a quadra, que há temas, como os natalícios, irresistíveis pelo brilho e pelas alternativas que possibilitam. Assim foi com as mesas que entretanto alindei no monte, para receber ao jantar.

Esta foi vestida como gosto, com uma primeira toalha mais espessa para criar cama, e torná-la mais macia ao toque, um pouco maior que o diâmetro da mesa. Depois uma outra, branca, até ao chão, como se de uma camilha se tratasse, feita por medida, com um tecido mais pesado que a última estampada em tons de azul e branco. Os tecidos escolhemo-los a metro, consoante o nosso gosto e o que queremos usar como pratos, copos e decoração. E se bem que o Rui tenha jeito para coser, optamos a maior parte das vezes por confiar a tarefa ao atelier da loja onde os compramos e que aconselhamos para todo esse tipo de trabalhos (Tecidos&Companhia).
Nesta mesa fazia sentido um tom mais formal, dado pelo serviço Vista Alegre em azuis fortes, ainda que com motivos diferentes. A mesma cor usei nos copos para a água. O toque mais original terá sido o do centro de mesa redondo, feito a dar a ideia de uma aldeia de Natal com casinhas brancas, cada uma a levar a sua vela dentro, musgo e outros elementos artificiais, misturados com pequenas flores e bagas secas. Não falta uma ou outra ovelha em barro, até um canito… tirados do caixote onde guardo as figuras do presépio que este ano não fiz.

A ideia da pequena aldeia natalina trabalhei-a de uma outra forma num jantar que tivemos dias depois. Quis desta que a mesa fosse rústica e informal, aproveitando o próprio tampo de madeira maciça. Criei um corredor no centro da mesa, com materiais naturais como troncos da poda das oliveiras, antes de irem a queimar na lareira, e bagas secas, outros artificiais como musgo e pequenas árvores, onde fui dispondo algumas casinhas, agora também em vermelho, e pais-Natail, os mesmos que no ano passado tiveram direito a uma das árvores festivas. Procurei manter a rusticidade nos marcadores em louça verde e nos pratos em bege, tudo comprado ao quilo na “Cerâmicas na Linha”, nos corações de xisto, a fazerem as vezes de prato para o pão, e nas estrelas do mesmo material aqui como suportes para os copos das velas. Em vez do azevinho, como mais um apontamento da quadra, sobre cada guardanapo, optei por raminhos de bolota, tirados das azinheiras do monte. Não me venham dizer que não há lugar para as travessas, que connosco nunca há tachos nem travessas na mesa tudo é servido empratado com garbo.

 

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Ideias do meu (para o seu) Natal!

Comecei a montá-la as 15.30 mal chegado ao monte depois do programa terminado e antes de dois dias de gravações no Alentejo, há muito que sei o que a árvore gasta, são quase duas horas, ramo a ramo, começando do topo para base que ė como quem diz dos mais pequenos para os graúdos. A tarefa complica-se quando a diferença entre eles é já mínima, que há muito se esbateram as etiquetas coloridas que os diferenciavam, tal a serventia em Natais passados, mais de vinte. Tinha como meta para esse final de tarde ficar-me por aí, não fosse o frenesim que nessa hora se apodera de mim e não me deixa parar. Pus as luzes, as gambiarras tradicionais primeiro, misturando-as com a “folhagem” dos ramos e depois fiadas de
sisal com luminárias como que a abraçar o pinheiro todo. E logo me propus a vesti-lo de castanho, alguns elementos rústicos já usados no do ano passado, e este ano com muitos brancos, um ou outro utilizado em anos anteriores nas árvores da casa de Sintra, mas a maioria novos (bolas, casinhas, coroas de estrelas…) adquiridos na loja que fornece as decorações de Natal do estúdio, um mundo irresistível para quem gosta dos brilhos da quadra. Este ano queria como que uma árvore nevada e passadas seis horas de “trabalho” (a bem dizer o mesmo tempo que levo sempre, contando apenas comigo, já que há prazeres que não partilho) julgo que o consegui.

A da casa Sintra teria de ser diferente. Ficou-me do ano passado a vontade de ter uma igual à que imperava no estúdio na zona das conversas: um tronco com copa frondosa de onde pendiam os mais dourados enfeites. Quis, porém, que estes fossem todos em vidro, tinha-os guardado da primeira árvore que fiz no monte com galhos secos de oliveira. É o que dá fazer árvores sempre diferentes, há um ror de anos e acumular decorações. Os enfeites: bolas, estrelas, pingentes… todos em vidro transparente parecem suspensos e luzem por acção das gambiarras que se misturam na copa (duas mil luzes). Juntei as figuras centrais do presépio, numa peça única em papel-maché que tenho há muito e que lembro ter-me sido oferecida pela autora, mãe de um antigo colega de estúdio, o Pedro.

Este ano é assim, que para as do próximo ano já sei como fazer diferente. Esta cabeça não pára! E ainda há quem pense que eu não gosto do Natal!

Há círculos que se fecham!

Há coisas que me acontecem no presente que parecem buscar ligação ao passado, como que para atar uma ponta solta ou fechar um círculo. Afinal não é Isabel Allende quem o diz: “se vivermos o suficiente todos os círculos se fecharão”?

A primeira vez que vi dançar o “Bolero”, de Ravel, foi no cinema, no filme “Les uns et les autres” de Claude Lelouch, andava eu pelos vinte e poucos, e era o portenho Jorge Donn quem protagonizava a cena num bailado intenso e arrebatador. Foi quando fixei o nome do coreógrafo: Maurice, tal como o compositor, de apelido Béjart. Soube então que tinha vindo a Portugal em plena ditadura com a sua companhia para uma série de espectáculos com “Romeu e Julieta”. Estávamos em 1968, é o próprio quem o recorda , no seu livro de memórias “Un instant dans la vie d’autrui”, que resgatei agora da biblioteca cá de casa, comprado que foi há quase quarenta anos (compro livros compulsivamente sabendo que mesmo que os não leia na hora dia haverá em que me hão-de valer):

“Chegámos a Lisboa numa tarde de Junho e na manhã seguinte, ao sair do hotel, percebi que havia uma certa efervescência junto a um quiosque de venda de jornais. As manchetes eram claras, Robert Kennedy tinha sido assassinado. Ainda que não sentisse particular admiração pela política de qualquer um dos irmãos Kennedy, a notícia não deixou de me impressionar. Nessa noite de estreia a sala estava cheia e na pateia viam-se muitos jovens que sentiram o final do bailado (o disparar das metralhadoras, o ribombar dos bombardeamentos e gritos de “façam amor e não guerra”) como um verdadeiro murro no estômago. Portugal estava em guerra em Angola e outras colónias, Salazar era o senhor todo poderoso. O ambiente era electrizante. Subi ao palco para, junto com toda a companhia, receber a ovação com que havíamos sido brindados e sem o ter premeditado pedi então que se fizesse um minuto de silêncio pela morte de Robert kennedy, vítima do fascismo internacional. A sala emudeceu, porém, quando regressámos aos camarins já ela se agitava num canto, que nos disseram ser revolucionário e por isso proibido. Após o espectáculo, seguiu-se uma recepção na Embaixada da Bélgica onde me deparei com um ambiente bizarro, angustiante mesmo, contrastante em absoluto com o caloroso acolhimento que tivemos durante o espectáculo”.

No dia seguinte Maurice Béjart seria lavado às sinistras instalações da PIDE para ser interrogado, acabando por ser conduzido à fronteira, sendo
assim expulso do país, como subversivo e indesejável. Voltaria em 1974, a um Portugal já livre, com o mesmo bailado e não seria última vez.

Quando percebi que o Béjart Ballet de Lausanne estaria na Ópera de Versalhes decidi que seria ali que, finalmente, veria dançar o “Bolero” ao vivo, ao mesmo tempo que me sentaria pela primeira vez na Ópera do Palácio, tão desejada por Luís XIV mas só terminada no reinado do Luís que se lhe seguiu, ainda a tempo do casamento do Delfim com Maria Antonieta. Que emoção escutar a música de Maurice Ravel num crescendo orquestral delirante e vê-la dançada de forma demoníaca e sensual. A noite reservar-me-ia ainda uma inesquecível surpresa, uma outra coreografia de Béjart para uma peça a partir das canções de Brel e Bárbara. Logo eu que não sou de olhar para o passado para não estar de costas para o futuro dei por mim a lembrar a banda sonora de toda a minha adolescência onde a cultura francesa dominava e as palavras de Jacques Brel e da dama de negro me desinquietavam.

Falta-me agora assistir a um concerto na Capela Real do Palácio, mas nāo pode ser para já que tem dois meses que se iniciaram os trabalhos de restauro do telhado e a empreitada ainda vai levar um ano ou mais, mas eu sei esperar e nos entretantos já tenho bilhetes para “Don Carlo” de Verdi (adoro!!) na Ópera de Frankfurt, para o Natal que não tarda.

Um hotel em Versalhes

Em gostando de um hotel mantenho-me cliente por bons anos assim regresse por razão de um espectáculo ou apenas por me apetecer revisitar a cidade ou o local. Não é a primeira vez que me fico por Versalhes o fim de semana todo, mesmo que acabe por dar uma saltada a Paris nem que seja só para almoçar, como foi o caso. Ali se vê a grandeza da França, entre Palácio e jardins, sem esquecer os domínios de Maria Antonieta. Em Versalhes quedo-
me no Trianon Palace, hotel de mais de cem anos de histórias para contar, que é disso que eu gosto.

O nome advém do facto de estarmos a dois passos do Pequeno e do Grande Trianon, num parque profusamente arborizado de três hectares, onde os da cidade fazem os seus treinos matinais e passeiam os seus “cãopanheiros”, encostado aos muros do Domínio Real de Luís XIV. A partir da sua
inauguração, no primeiro de Maio de 1910, o hotel passou a ser frequentado pelas mais diversas personalidades mundiais, por ali encontrarem um
perfeito ambiente de elegância e tranquilidade. Sarah Bernhard escolhia o hotel durante as suas representações parisienses ali convivendo com Marcel Proust, Lafitte, o banqueiro, e Santos-Dumont.

No inicio da Primeira Grande Guerra o Trianon Palace é requisitado como Hospital auxiliar para uso da tropas britânicas regressando dois anos depois à sua função original. Foi na sala posteriormente baptizada com o seu nome que Georges Clemenceau ditou as condições do Tratado de Versalhes. Terminada a guerra, o hotel recupera o seu estatuto de instituição mundana e rapidamente passa a contar como hóspedes assíduos os nomes mais importantes das letras e do espectáculo, como Paul Valery, Sacha Guitry e Marlene Dietrich.

O final da década de trinta traz ao Mundo tempos negros de guerra e genocídio e uma vez mais o Trianon Palace se vê transformado, primeiramente,
em quartel da força aérea alemã por decisão de Goering, mais tarde, em 1944, das tropas americanas. Foi aqui que homens de poder e influência, como Eisenhower, Patton, De Gaulle e Montgomery tomaram decisões que ainda hoje vigoram no actual mapa geo-politico.

Em tempo de paz voltou a ser hotel de reis, como Isabel II ou Hussein da Jordânia, e de artistas, como François Mauriac, Jacques Brel, Jean Gabin, Jeanne Moreau…

Em 2008 o hotel foi completamente renovado pela arquitecta inglesa Fiona Thompson mantendo-lhe um certo requinte aristocrático, no respeito pela
tradição francesa do início do século XX, e acrescentando-lhe uma necessária, mas não menos elegante, contemporaneidade, como a abertura de um restaurante gastronómico onde a cozinha atinge alturas de Olimpo sob a batuta de Gordon Ramsay.

Perdoem-me a vaidade mas Versalhes fica-me tão bem!